15 de jul. de 2011

A lenda dos Rabunari

Um dia estava sentado na varanda lá de casa. Olhando as estrelas com calma, de uma maneira que parecia ser a primeira vez que as via. Minha irmã apareceu e se sentou do meu lado. Parecia que ela me olhava da mesma maneira que eu as estrelas, com um perfume de novidade. Pelo menos é o que senti vindo dela. Talvez era apenas eu e as estrelas... Quem sabe?

Ela levantou sua cabeça para o céu e se juntou a mim em contemplação. E me fez uma pergunta estranha para uma menina de sua idade, porém justa mesmo para a sua idade. Na verdade acho que é o contrário, é esse frescor de ser que impulsiona as dúvidas e curiosidades. Acho que pensamos que as perguntas profundas da vida pertencem aos adultos porque nossa surpresa ao não saber a resposta é tamanha que não imaginamos uma criança poder sentir o mesmo.

"Como foi criado o mundo, mano?" 

"Depende, princesa, no que você acredita." Pronto. Estava contaminando minha irmã com erudições e idiotices adultas. Ela me olhou meio confusa mas viu, mesmo antes que eu, que eu estava a esquivar sua pergunta. "Como assim?" - Não desisto de fugir e me escondo atrás do meu limitado conhecimento: "É que depende da religião de cada pessoa. Cada religião tem sua lenda da criação do universo e do homem. Ou mesmo a ciência... Só que aí já não é lenda, é hipótese." - Ela estava entediada com minhas palavras mas sentia algo de participação de algo sério, do jogo dos adultos, que também é uma brincadeira para as crianças... Ela me olhou e disse: "Eu quero saber o que Você acha."

Minhas defesas psicológicas tombaram como as muralhas de Jericó. Olhei pra ela, olhei para as estrelas, e bem... "Na verdade não acredito em nada... Só na Lenda dos Rabunari. Já ouviu falar?" - "Não... Me conta?"





A Lenda dos Rabunari



O homem nada é senão o sopro do Mistério.
O céu, a terra, o mar;
Nada são, senão sopros do Mistério.
A lua, o sol e as estrelas;
Nada são, senão sopros do Mistério.
A vida é tudo o que há,
e a vida nada é;
Senão o sopro do Mistério.


Uma criança lhe perguntou, então, ao chefe da tribo:
E de onde vem o sopro?
E o chefe respondeu:
Do Mistério.
E de onde vem o Mistério?
Do próprio Mistério.

Mas isso é muito pouco;
disse a criança.

O que seria suficiente?
perguntou o chefe.

- A resposta verdadeira,
não um enigma.

O chefe perguntou a todas as crianças:
Quando conto uma história,
o que importa pra vocês?
- O começo, o meio ou o fim? -

Todos, menos um outro menino,
responderam que o que importava era o fim.

O chefe riu e chamou a atenção
do menino que se calou.

- E você? O que é importante pra você?

O menino tímido se levantou
com respeito ao chefe e disse
- Não sei.

- Como você não sabe?
- Não saberia dizer...
- Tente!
- O começo não é começo sem um fim;
O meio não é meio sem um começo ou fim;
o fim não é fim sem um começo.
Então não posso dar mais importância
a uma parte ou outra;
Pois elas são todas uma só.

O chefe riu com deleite da resposta do menino.
Este se contraiu com medo de ter dito algum absurdo.
O chefe perguntou a todos:
- Disso que ele disse, o que vocês pensam
da origem de tudo?

Todos se entre-olharam, curiosos,
nem o primeiro, nem o último menino;
soube responder.

O chefe sorriu e disse:
É um Mistério, não é?





"Mano... Não entendi muito bem... Não me explicou como o mundo foi criado..." disse minha irmãzinha, ao final do relato. "Lola... Quando você brinca de esconde-esconde com alguém, o que você mais gosta? De procurar o outro ou de achar o outro?" Com a graça de uma criança que se pergunta algo de verdade ela logo me respondeu: "Os dois!"



(rascunho, cortesia forçada de iamBRÄO)


12 de jul. de 2011

o outro

A liberdade termina onde começa a liberdade do outro;
O amor termina onde começa a possessão do outro;
A possessão termina onde o outro exerce a liberdade;

Não sei onde quero chegar;
me ajudem.


Só posso me relacionar
com o que está além de mim;
No entanto;
jogo tudo de mim
no outro.

Não o deixando ser.

,
Não me deixando ver-lhe.
Vivendo como Narciso.

A existência começa
quando o outro é.

O ovo se racha;
Vida e morte.

Nada mais e nada menos
(belo) que um sopro.

11 de jul. de 2011

Aceitação

Forçar-se a dizer sim
à tudo;
É negar
a negação.

Diferente de ver
as coisas como são;
Sem aceitar;
ou negar.

2 de jul. de 2011

Já não usamos pombas

mas ainda assim
tenho coisas a dizer.

uma delas é que te amo
e te sinto perto;

outra é que sinto sua falta.