Ela levantou sua cabeça para o céu e se juntou a mim em contemplação. E me fez uma pergunta estranha para uma menina de sua idade, porém justa mesmo para a sua idade. Na verdade acho que é o contrário, é esse frescor de ser que impulsiona as dúvidas e curiosidades. Acho que pensamos que as perguntas profundas da vida pertencem aos adultos porque nossa surpresa ao não saber a resposta é tamanha que não imaginamos uma criança poder sentir o mesmo.
"Como foi criado o mundo, mano?"
"Depende, princesa, no que você acredita." Pronto. Estava contaminando minha irmã com erudições e idiotices adultas. Ela me olhou meio confusa mas viu, mesmo antes que eu, que eu estava a esquivar sua pergunta. "Como assim?" - Não desisto de fugir e me escondo atrás do meu limitado conhecimento: "É que depende da religião de cada pessoa. Cada religião tem sua lenda da criação do universo e do homem. Ou mesmo a ciência... Só que aí já não é lenda, é hipótese." - Ela estava entediada com minhas palavras mas sentia algo de participação de algo sério, do jogo dos adultos, que também é uma brincadeira para as crianças... Ela me olhou e disse: "Eu quero saber o que Você acha."
Minhas defesas psicológicas tombaram como as muralhas de Jericó. Olhei pra ela, olhei para as estrelas, e bem... "Na verdade não acredito em nada... Só na Lenda dos Rabunari. Já ouviu falar?" - "Não... Me conta?"
A Lenda dos Rabunari
O homem nada é senão o sopro do Mistério.
O céu, a terra, o mar;
Nada são, senão sopros do Mistério.
A lua, o sol e as estrelas;
Nada são, senão sopros do Mistério.
A vida é tudo o que há,
e a vida nada é;
Senão o sopro do Mistério.
Uma criança lhe perguntou, então, ao chefe da tribo:
E de onde vem o sopro?
E o chefe respondeu:
Do Mistério.
E de onde vem o Mistério?
Do próprio Mistério.
Mas isso é muito pouco;
disse a criança.
O que seria suficiente?
perguntou o chefe.
- A resposta verdadeira,
não um enigma.
O chefe perguntou a todas as crianças:
Quando conto uma história,
o que importa pra vocês?
- O começo, o meio ou o fim? -
Todos, menos um outro menino,
responderam que o que importava era o fim.
O chefe riu e chamou a atenção
do menino que se calou.
- E você? O que é importante pra você?
O menino tímido se levantou
com respeito ao chefe e disse
- Não sei.
- Como você não sabe?
- Não saberia dizer...
- Tente!
- O começo não é começo sem um fim;
O meio não é meio sem um começo ou fim;
o fim não é fim sem um começo.
Então não posso dar mais importância
a uma parte ou outra;
Pois elas são todas uma só.
O chefe riu com deleite da resposta do menino.
Este se contraiu com medo de ter dito algum absurdo.
O chefe perguntou a todos:
- Disso que ele disse, o que vocês pensam
da origem de tudo?
Todos se entre-olharam, curiosos,
nem o primeiro, nem o último menino;
soube responder.
O chefe sorriu e disse:
É um Mistério, não é?
O homem nada é senão o sopro do Mistério.
O céu, a terra, o mar;
Nada são, senão sopros do Mistério.
A lua, o sol e as estrelas;
Nada são, senão sopros do Mistério.
A vida é tudo o que há,
e a vida nada é;
Senão o sopro do Mistério.
Uma criança lhe perguntou, então, ao chefe da tribo:
E de onde vem o sopro?
E o chefe respondeu:
Do Mistério.
E de onde vem o Mistério?
Do próprio Mistério.
Mas isso é muito pouco;
disse a criança.
O que seria suficiente?
perguntou o chefe.
- A resposta verdadeira,
não um enigma.
O chefe perguntou a todas as crianças:
Quando conto uma história,
o que importa pra vocês?
- O começo, o meio ou o fim? -
Todos, menos um outro menino,
responderam que o que importava era o fim.
O chefe riu e chamou a atenção
do menino que se calou.
- E você? O que é importante pra você?
O menino tímido se levantou
com respeito ao chefe e disse
- Não sei.
- Como você não sabe?
- Não saberia dizer...
- Tente!
- O começo não é começo sem um fim;
O meio não é meio sem um começo ou fim;
o fim não é fim sem um começo.
Então não posso dar mais importância
a uma parte ou outra;
Pois elas são todas uma só.
O chefe riu com deleite da resposta do menino.
Este se contraiu com medo de ter dito algum absurdo.
O chefe perguntou a todos:
- Disso que ele disse, o que vocês pensam
da origem de tudo?
Todos se entre-olharam, curiosos,
nem o primeiro, nem o último menino;
soube responder.
O chefe sorriu e disse:
É um Mistério, não é?
"Mano... Não entendi muito bem... Não me explicou como o mundo foi criado..." disse minha irmãzinha, ao final do relato. "Lola... Quando você brinca de esconde-esconde com alguém, o que você mais gosta? De procurar o outro ou de achar o outro?" Com a graça de uma criança que se pergunta algo de verdade ela logo me respondeu: "Os dois!"
(rascunho, cortesia forçada de iamBRÄO)