6 de dez. de 2009

Gertrud

A vida é um sonho
me disse ela

A vida
O amor
A procura de bocas
O encontro de corações

Tudo um sonho
sonhos após sonhos...
ela amou.

***

A vida nos escapa
me disse ele

Um pode viver sonhando
e outro transbordar em atividade
De qualquer jeito a vida escapa
Como se vive ela, não importa.

***

E eu sonhei com ela
me deu desculpas por sua ausência
e eu a entendi, compreendi...
e voltamos a amar.

Havia esquecido como era o seu rosto
todavia me enche de ternura.
Seu toque me chama a boca
para beijar
engolir...
Que saudade.

E a gente acorda
a vida nos escapa
e tudo que sobra
são cinzas.

29 de nov. de 2009

Una Guerra Más

...E é uma guerra bem louca...

Ontem terminamos a gravação de "Una Guerra Más". Um projeto que tinha em mente desde 2007, escrevi ano passado e só agora ganhou vida. Isso é muito legal. Algo que sempre converso com meus amigos... o tempo de cada idéia e projetos. Tem uns que escrevo em 1 dia e faço no outro. Outros, meses. E outros, como esse, anos. Isso eu acho bonito e eu tento respeitar ao máximo isso. Como um jardineiro. (hehehehe)
Tivemos o OK da faculdade faz 2 meses. Tivemos 2 meses de preparação. Usamos apenas 1. O que preparamos nesse 1 mes... Foi por agua abaixo nos 2 ultimos dias antes do dia de gravação. Não exagero por minha parte, mas no meu intimo foi uma guerra de verdade.
Mas no fim... Tudo saiu bem. :D

E confirmou sentimentos sobre tudo... É incrível. A vida é incrível. Agradeço muito aos livros de Hesse que me acompanharam esse ano como um melhor amigo... assim como as músicas e espírito de John Lennon. A familia que sempre dá aquela força quando voce pensa que não dá mais... "Vai filhão, força ai meu. Manda um fax pro exercito!" e você vai lá e manda! E obtém resposta! Mesmo que não deu em nada.. fez parte do processo. "Você precisa de quanto? 300? A gente consegue 300. Pra essas coisas a gente faz um esforço pra ajudar... Isso sim é importante. Mas pra bebedeira não." hahahahaha :D Foda. Foda. Foda. Me emociona de verdade... Amigos! Meu Deus... ou melhor... Meus Deuses! Também sempre aparecendo na hora certa... Apenas com uma pergunta sobre o projeto, uma faísca de interesse, já te põe pra cima... E aí você conta como anda o inferno... E o olhar de fora mostra o quão pequeno é e como é possível tudo isso. Sú e Dé, obrigado de coração. E os amigos que estão pertos também mas longe ao mesmo tempo... Obrigado também :D

Mas o mais surpreendente foi a equipe. Re-encontrei e re-afirmei irmandades. São irmãos. Ainda não tenho palavras pra dizer o quanto sou agradecido pela ajuda, esforço e trabalho de cada um. Todos foram singulares e fizeram... aquilo que tinha que ser feito. Que louco... To bobo até agora.
Mas Agradeço com todo o meu coração ao Nico, Crochi, Barbi, Sole, Nestor e Chino. Vocês são incríveis. E aos 2 atores mais gente boa que conheci até agora: Rodrigo Soler e Ulises Levanavicius. Obrigado pelo trabalho que fizeram. Por fazer parte disso como todos nós. :D

Ê láia.

Não gosto muito de escrever sobre isso... Mas sinto que é minha obrigação. Uma feliz obrigação. Um dever. Porque eu sei que este não é o último e sim apenas um dos primeiros. Eu sou agradecido sempre por vocês, por fazer parte, não como uma despedida. Agradeço o esforço e ajuda que vão durar toda a minha a vida... E isso não se limita apenas a esse curta.

Finalizo aqui com 2 fotos. Um frame de um soldado extenuado... e a última foto desse dia tão delicioso de ser vivido.



...E a "guerra" não terminou. E essa é a parte mais bonita de todas... É o primeiro projeto em que eu e meus dois irmãos vamos trabalhar juntos, os 3. Isso vai ser lindo. Estou ansioso para essa etapa :D MUITO!

E a previsão de conclusão... Não sei ao certo. Espero que até Junho de 2010 esteja pronto. Ou um pouco antes. :)

Um bjo pra você, que comparte esse momento comigo. Eterno momento.
Saludos!!

21 de out. de 2009

Lola

Mal posso esperar
para te ver crescida
menina, mulher.
Me contar de sua infância
de seus sonhos e lembranças
de seus irmãos
e como você via eles.
o sentimento
de acolhimento
calor e afeto...
que revivo apenas
ao te olhar.

Mal posso esperar
para te ver crescida
menina, mulher.
E em seus olhos
ver toda uma vida.

25 de set. de 2009

O Jardim

...dedicado aos Jovens de Coração.


Seja bem-vindo, caro amigo. Justo à tempo. Estava a começar nosso pequeno relato do gia, mas explico uma vez mais sobre o que é, e mais importante, sobre quem. Sente-se, tome lugar. Sinta-se confortável.
Esse relato me foi contado por amigos que viajavam pelo pacífico e por acidente encontraram uma ilha desconhecida. Desconhecida por eles mesmos e pela nossa civilização. Essa ilha todavia segue desconhecida por nós e pela modernidade graças ao tato de meus amigos. Ela continua anônima e intocada. Curiosamente, nossa civilização sim era conhecida por seus habitantes, tanto que eram fluentes em diversas línguas. Bom. O relato que lhes vou contar foi contado aos meus amigos por Gumna Ti, um dos muitos sacerdotes da ilha, em uma espécie de culto realizado em uma pequena lagoa. Essa lagoa era realmente pequena e, segundo me contaram, muito silenciosa. Gumna subiu em uma espécie de balsa e guiou-se até o centro da lagoa com um cajado, e os ouvintes sentaram-se na margem a escutá-lo. Meus amigos eram os convidados de honra de Gumna e foi a eles a quem dedicou mais atenção e afeto no momento. Gumna lhes contou a seguinte kamta, em nosso idioma:

"Anos atrás, na minha mocidade, existia um rapaz muito mais jovem que eu, chamado Kiri. Ele era um garoto calmo e tranquilo. Muito calmo. Calmo, calmo. Sua mãe se preocupava com sua falta de atividade e não sabia se ele estaria apto aos trabalhos do Muva. Seus vizinhos se dividiam em relação à Kiri, uns achando-o vago e inútil, outros, às vezes, observavam-no com curiosidade e interesse... E eu era um desses. Kiri passava grande parte do tempo passeando e descansando. Do quê exatamente, não sabemos, pois ele aparentemente não fazia nada. Mas a verdade era que somente nas horas em que as pessoas o viam era que ele estava ocioso. Bem, um dia sai a passear perto daqui... e no meio do passeio cruzou rapidamente em minha frente uma serpente e logo três pássaros, voando na mesma direção! Tenso, pensei ser uma brincadeira de Fryula incendiando a floresta... mas não senti cheiro de queimado algum. Logo me acalmei... e de golpe um vento terrível soprou! Na mesma direção que os animais correram! Tenso novamente, pensei: ‘Vriula está nervoso!’.. Mas outra vez me acalmei e algo me fez seguir na mesma direção que o vento e os animais foram... e encontrei Kiri sentado nessa mesma lagoa onde nós nos encontramos. Creio que ele não percebeu minha presença... Kiri estava com um aspecto jovial e feliz, sentado olhando para o meio da lagoa. Aqui onde estou agora. E percebi que Kiri estava em um intenso estado meditativo... Fiquei em silencio, meio escondido, alí, um pouco mais atrás de onde estão nossos convidados, contemplando-o.

Passaram-se horas e nós dois não haviamos nos movidos nem um piclo. Encontrei-me no mesmo estado que Kiri, e senti uma estranha porém cordial união com ele. Kiri começou a gesticular algo. Sons saiam da sua boca. Sim, ele estava falando. Sua voz me trouxe de volta à ryula. Sua voz dirigia-se ao centro da lagoa. Kiri conversava com algo invisível e pelas pausas que fazia, pensei que estava dando à esse nada uma chance de resposta... E eis que uma voz soa no ar.

Não identifiquei a voz. Não a conhecia. Ela vinha daqui. Justo aqui. Desse mesmo lugar em que falo a vocês. Limpei meus ouvidos, chacoalhei minha cabeça, fechei e abri meus olhos diversas vezes, e a conversa continuava. Senti medo. Pensei ser um intruso nesse momento tão privado e secreto. Mas logo senti uma permissão ao meu corpo. Sim, eu devia estar alí. Justo aí, onde vocês estão. Preparei meu ser, minha mente, minha alma, meu corpo, meu espirito, enfim! Meu ser! Para escutar uma sabedoria única... Secreta.. Divina! Iluminadora! Uma sabedoria que iria acalmar todas nossas ânsias e dúvidas! Preparei bem meu ouvido... Me esforcei a escutar tudo nítidamente... Kiri ia fazer uma pergunta sábia, eu sabia. E as palavras que ouvi saírem da boca de Kiri foram as seguintes: ‘Mas, ó, caro amigo! Porque eu tenho que caçar um javali para provar meu amor por ela?!’ Meus olhos se arregalaram no instante e não acreditei no que ouvia. Como esse rapaz faz uma pergunta assim à Ula?! Melhor que viesse a mim com essa pergunta ou para qualquer homem do Muva! Mas tudo bem... Estranhei, confesso, e foi uma atitude estúpida, confesso também, pois todas as dúvidas são válidas. E atenção: Ula estava a escutar-lhe. E Ula lhe respondeu:

‘Jovem Kiri... Vou contar-lhe uma história. Há muito tempo atrás... Existia um certo jardim. Um grande e belo jardim. Eu amava esse jardim com todo o meu amor. Com toda a minha força. Ele era todo o meu espírito. Eu era esse jardim.
Nesse jardim haviam todos os tipos de flores e plantas. Impérios de insetos eram construídos e desconstruídos alí. Toda uma gama de seres e civilizações passaram a ser e a não ser alí. Mas uma flor em especial chamou-me a atenção. Hoje ela é conhecida como Dente-de-leão. Esse dente-de-leão cresceu ao meio de belíssimas rosas, violetas e orquídeas. E foi por uma dessas últimas que esse dente-de-leão se apaixonou. Essa orquídea era branca e de uma beleza inigualável até os dias de hoje. Bom, naqueles tempos, as flores cortejavam umas às outras com cantos. Elas tinham que cantar um canto próprio para declarar o seu amor pela amada. Assim sendo, muitos e muitas flores dedicavam à essa orquídea as melhores canções, as melhores melodias que podiam criar. Era-lhe devotada a nata do amor e espírito de muitas flores. Essa orquídea cresceu vaidosa e difícil de conquistar. Ainda não havia escutado o canto que despertaria o seu coração.
O dente-de-leão, frágil como era, não podia cantar. Seu corpo não lhe permitia tal ação. Uma vez tentou chamar a atenção da orquídea, mas sua voz mal foi ouvida, abafada pelos cantos dos outros tentando conquistar o coração da bela flor, e sentiu seu corpo desfalecer. Outras flores o escutaram e ridicularizaram-no. O dente-de-leão se retraiu fortemente por meses em uma profunda melancolia.
Essa é a dor do dente-de-leão. Essa é a dor do amor do dente-de-leão. Esse é o amor do dente-de-leão.
Um belo dia - inesquecível dia - o Sol havia brilhado mais tempo que usualmente e a orquídea despertou mais bela que nunca. E o dente-de-leão despertou da melancolia, encontrou-se ligeiramente maior, belo e mais corajoso que nunca. Respirou fortemente e cantou a seguinte canção à orquídea:

Amor, amor
Dias melhores virão
E vou poder cantar
O meu canto
Todos os dias

Amor, amor
Dias melhores virão
E vai te acompanhar
O meu canto
Todos os dias

A orquídea sentiu algo despertar em seu coração. Sentiu a vida inflar-lhe amor. A melodia longamente desejada finalmente existia... Ela virou-se em busca do dono da voz... e nada viu a não ser pétalas de um dente-de-leão, lentamente voando com o vento pelo belo jardim...’

O jovem Kiri parecia alegre com a história, estava absorto em pensamentos, e reflexionava com um sorriso curioso... A voz desapareceu e tudo pareceu voltar à normalidade... Aos poucos os pássaros voltaram a cantar, a água a golpear lentamente a margem da lagoa e os galhos a conversar com o vento. Me retirei sem ser percebido e pensei muito na história contada por Ula... Pensei muito no porquê que fui permitido estar alí... Vocês... Sabem o porquê? Não? Eu também não... Bom. Voltei ao nosso Muva, pensativo. Não sabia se deveria ou não falar com Kiri sobre essas coisas e sobre minha intrusão...

Dois meses se passaram e eu não havia dito uma palavra a ninguém sobre o que acontecera, e todas as noites nesses dois meses eu pensei no acontecido. Até que um belo dia vi Kiri caminhar em direção à moça mais bela do Muva... E não foi para dar um javali como prova do seu amor, como era o costume.
Ela estava na praia olhando para o mar. Kiri se aproximou dela, suavemente segurou sua mão com suas duas frágeis mãos e lhe disse algo. Algo. Ela claramente se emocionou, curvou-se agradecendo a Kiri por suas palavras, deu-lhe um beijo na bochecha esquerda e se retirou com alegria para sua tenda. Kiri alí ficou. Com a postura reta, o peito inflado e cheio de bem-aventurança, respirando lentamente. Quem o visse naquele momento o tomaria por um grande guerreiro... Mas era apenas um jovem garoto. Tomado de uma paixão e entusiasmo indescritíveis corri a contar-lhe o que havia acontecido há dois meses atrás, com todos os detalhes e todas minhas dúvidas e terminei por perguntar-lhe o que ele disse à moça e o que tinha ela com o ensinamento de Ula. E Kiri contestou-me:
- Nada.
- Nada?
- Nada.
- Mas... Você não é o dente-de-leão?
- Não. Eu sou o Jardim.”

19 de set. de 2009

O Tratado do Lobo da Estepe

(por Hermann Hesse, do livro O Lobo da Estepe)

"Só para loucos


Era uma vez um certo Harry, chamado o Lobo da Estepe. Andava sobre duas pernas, usava roupas e era um homem, mas não obstante era também um lobo das estepes. Havia aprendido uma boa parte de tudo quanto as pessoas de bom entendimento podem aprender, e era bastante ponderado. O que não havia aprendido, entretanto, era o seguinte: estar contente consigo e com sua própria vida. Era incapaz disso, daí ser um homem descontente. Isso provinha, decerto, do fato de que, no fundo de seu coração, sabia sempre (ou julgava saber) que não era realmente um homem e sim um lobo das estepes. As pessoas argutas poderão discutir a propósito de ser ele realmente um lobo, de ter sido transformado, talvez antes de seu nascimento, de lobo em ser humano, ou de ter nascido homem, porém dotado de alma de lobo ou por ela dominado; ou, finalmente, indagar se essa crença de que ele era um lobo não passava de um produto de sua imaginação ou de um estado patológico. É inadmissível, por exemplo, que, em sua infância, fosse rebelde, desobediente e anárquico, o que teria levado seus educadores a tentar combater a fera que havia nele, dando ensejo assim a que se formasse em sua imaginação a idéia e a crença de que era, realmente, um animal selvagem, coberto apenas com um tênue verniz de civilização. A esse propósito poder-se-iam tecer longas considerações e até mesmo escrever livros; mas isso de nada valeria ao Lobo da Estepe, pois para ele era indiferente saber se o lobo se havia introduzido nele por encantamento, à força de pancada ou se era apenas uma fantasia de seu espírito. O que os outros pudessem pensar a este respeito ou até mesmo o que ele próprio pudesse pensar, em nada o afetaria, nem conseguiria afetar o lobo que morava em seu interior.

O Lobo da Estepe tinha, portanto, duas naturezas, uma de homem e outra de lobo; tal era seu destino, e nem por isso tão singular e raro. Deve haver muitos homens que tenham em si muito de cão ou de raposa, de peixe ou de serpente sem que com isso experimentem maiores dificuldades. Em tais casos, o homem e o peixe ou o homem e a raposa convivem normalmente e nenhum causa ao outro qualquer dano; ao contrário, um ajuda ao outro, e muito homem há que levou essa condição a tais extremos a ponto de dever sua felicidade mais à raposa ou ao macaco que nele havia, do que ao próprio homem. Tais fatos são bastante conhecidos. No caso de Harry, entretanto, o caso diferia: nele o homem e o lobo não caminhavam juntos, mas apenas permaneciam em contínua e mortal inimizade e um vivia apenas para causar dano ao outro, e quando há dois inimigos mortais num mesmo sangue e na mesma alma, então a vida é uma desgraça. Bem, cada qual tem seu fado, e nenhum deles é leve.

Com nosso Lobo da Estepe sucedia que, em sua consciência, vivia ora como lobo, ora como homem, como acontece aliás com todos os seres mistos. ocorre, entretanto, que quando vivia como lobo, o homem nele permanecia como espectador, sempre à espera de interferir e condenar, e quando vivia como homem, o lobo procedia de maneira semelhante. Por exemplo, se Harry, como homem, tivesse um pensamento belo, experimentasse uma sensação nobre e delicada, ou praticasse uma das chamadas boas ações, então o lobo, em seu interior, arreganhava os dentes e ria e mostrava-lhe com amarga ironia o quão ridícula era aquela nobre encenação aos seus olhos de fera, aos olhos de um lobo que sabia muito bem em seu coração o que lhe convinha, ou seja, caminhar sozinho nas estepes, beber sangue vez por outra ou perseguir alguma loba. Toda ação humana parecia, pois, aos olhos do lobo horrivelmente absurda e despropositada, estúpida e vã. Mas sucedia exatamente o mesmo quando Harry sentia e se comportava como lobo, quando arreganhava os dentes aos outros, quando sentia ódio e inimizade a todos os seres humanos e a seus mentirosos e degenerados hábitos e costumes. Precisamente aí era qua a parte humana existente nele se punha a espreitar o lobo, chamava-o de besta e de fera e o lançava a perder, amargurando-lhe toda a satisfação de sua saudável e simples natureza lupina.

Era isso o que ocorria ao Lobo da Estepe, e pode-se perfeitamente imaginar que Harry não levasse de todo uma vida agradável e feliz. Isso não quer dizer, entretanto, que sua infelicidade fosse por demais singular (embora assim lhe pudesse parecer, da mesma forma como qualquer pessoa torna o sofrimento que se abate sorte ela como sendo o maior do mundo). Isso não pode ser dito a propósito de ninguém. Mesmo aquele que não tem em seu interior um lobo, nem por isso pode ser considerado mais feliz. E mesmo a mais infeliz das existências tem os seus momentos luminosos e suas pequenas flores de ventura a brotar entre a areia e as pedras. Assim também acontecia com o Lobo da Estepe. Não se pode negar que fosse, em geral, muito infeliz, e podia também fazer os outros infelizes, especialmente quando os queria ou era por eles estimado. Pois todos os que com ele se deram viram apenas uma das partes de seu ser. Muitos o estimaram por ser uma pessoa inteligente, refina e arguta, e mostraram-se horrorizados e desapontados quando descobriam o lobo que mostrava nele. E assim tinha de ser pois Harry, como toda pessoa sensível, queira ser amado como um todo e, portanto, era exatamente com aqueles cujo amor lhe era mais precioso que ele não podia de maneira alguma encobrir ou perjurar o lobo. Havia outros, todavia, que amavam nele exatamente o lobo, o livre, o selvagem, o indômito, o perigosos e forte, e estes achavam profundamente decepcionante e deplorável quando o selvagem e perverso se transformava em homem, e mostrava anseios de bondade e refinamento, gostava de ouvir Mozart, de ler poesia e acalentar ideais humanos. Em geral, estes se mostravam mais desapontados e irritados do que os outros, e dessa forma o Lobo da Estepe levava sua própria natureza dual e discordante aos destinos alheios toda vez que entrava em contato com as pessoas.

Quem, entretanto, imaginar que conhece o Lobo da Estepe e pode analisar sua existência lamentavelmente dividida, incorrerá, sem dúvida, em erro, pois ainda não sabe tudo. Não sabe que (como não há regra sem exceção e como um simples pecador em certas circunstâncias pode ser mais querido a Deus do que noventa e nove justos) Harry também conhecia de quando em vez exceções e momentos ditosos em sentir harmonia, e mesmo em raras ocasiões estabelecer a paz e viver um para outro de tal forma que não apenas um vigiava enquanto o outro dormia, mas também se fortaleciam ambos e cada um duplicava a energia do outro. Também na vida desse homem parecia, como em todas as partes do mundo, que o costumeiro, o consuetudinário, o conhecido e o normal tinham simplesmente por objeto permitir de quando em quando a pausa de um segundo de duração para dar lugar ao extraordinário, ao milagroso, à graça. Se tais curtas e raras horas de ventura compensavam e dulcificavam a triste sina do Lobo da Estepe, de forma que a felicidade e a desventura viessem a equilibra-se finalmente na balança, ou se, talvez, este breve mas intenso usufruir daquelas poucas horas compensava todo o sofrimento e deixava um saldo favorável de alegria, é questão sobre a qual podem meditar as pessoas ociosas a seu talante. Também o Lobo meditava isso, em seus dias mais ociosas e inúteis.

A esse propósito há que acrescentar algo. Muita gente existe que se assemelha a Harry; especialmente muitos artistas pertencem a essa classe de homens. Todas essas pessoas têm duas almas, dois seres em seu interior; há neles uma parte divina e uma satânica, há sangue materno e paterno, há capacidade para ventura e para a desgraça, tão contrapostas e hostis como eram o lobo e o homem dentro de Harry. E esses homens, para os quais a vida não oferece repouso, experimentam às vezes, em seus raros momentos de felicidade, tanta força e tão indizível beleza, a espuma do instante de ventura emerge às vezes tão alta e deslumbradora sobre o mar da dor, que sua luz espargindo radiância, vai atingir a outros com o seu encantamento. A isto se devem, a essa preciosa e momentânea espuma sobre o mar de sofrimento, todas aquelas obras artísticas em que o homem solitário e sofredor se eleva por uma hora tão alto sobre o seu próprio destino, que sua felicidade brilha como uma estrela, e parecem a todos os que a vêem como algo eterno e como se fosse seu próprio sonho de ventura. Todas essas pessoas, sejam quais forem seus atos e obras, não têm propriamente uma vida, ou seja, sua vida carece de essência e de forma, não são heróis, nem artistas, nem pensadores de maneira como os demais homens são juízes, doutores, sapateiros ou mestres; sua existência é um movimento de fluxo e refluxo, está infeliz e dolorosamente partida e é sinistra e insensata, se não estivermos propensos a ver um sentido precisamente naqueles raros acontecimentos, ações, pensamentos e obram que brilham às vezes sobre o caos semelhante vida. Entre os homens dessa espécie surgiu o perigoso e terrível pensamento de que, talvez, toda a vida do homem não passa de um espantoso erro, de um aborto brutal da mão primeva, um cruel e selvagem intento frustrado da Natureza. Mas entre eles surgiu também a idéia de que o homem talvez não seja apenas um animal dotado de razão, mas o filho de Deus destinado à mortalidade.

Cada espécie de homens tem suas características, seus aspectos, seus vícios e virtudes e seus pecados mortais. Um dos signos do Lobo da Estepe era o de ser noctívago. A manhã era para ele a pior parte do dia, causava-lhe temor e nunca lhe trouxera nada de bom. Nunca fora alegre em qualquer manhã de sua vida, nunca fizera nada de bom na primeira metade do dia, não tivera boas idéias, nem divisara nenhuma alegria para ele ou para os demais. Ao começar a tarde, ia reagindo lentamente, principiava a se animar e, ao cair da noite, em seus melhores dias, tornava-se frutífero, ativo e, às vezes, até brilhante e alegre. Disso decorria sua necessidade de isolamento e independência. Nunca existira um homem com tão profunda e apaixonada necessidade de independência como ele. Em sua juventude, quando ainda era pobre e tinha dificuldades em ganhar a vida, preferia passar fome e andar mal vestido a sacrificar uma parcela de sua independência. Nunca se vendera por dinheiro ou vida fácil às mulheres ou aos poderosos, e mil vezes desprezara o que aos olhos do mundo representa vantagens e regalias, a fim de salvaguardar a sua liberdade. Nenhuma idéia lhe era mais odiosa e terrível do que a de exercer um cargo, submeter-se a horários, obedecer ordens. Um escritório, uma repartição, uma sala de audiência eram-lhe tão odiosos quanto a morte, e o que de mais espantoso podia imaginar em sonhos seria o confinamento num quartel. Sabia subtrair-se a todas essas coisas, a custo de grandes sacrifícios e nisso residia sua força e virtude, nisso era inflexível e incorruptível, nisso seu caráter era firma e retilíneo. Só que a essa virtude estavam intimamente ligados seu sofrimento e seu destino. Ocorria a ele o que se dá com todos: o que buscava e desejava com um impulso íntimo de seu ser acabava por ser-lhe concedido, mas em grau demasiadamente superior ao que convém a um homem. A princípio, o que obtinha parecia-lhe um sonho e uma satisfação, mas logo se revelava como sendo o seu amargo destino. Assim, o poderoso era arruinado pelo poder, o rico pelo dinheiro, o subserviente pela submissão, o luxurioso pela luxúria. O Lobo da Estepe perecia por sua própria independência. Havia alcançado sua meta, seria sempre independente, ninguém haveria de mandar nele, jamais faria algo para ser agradável aos outros. Só e livre, decidia sobre seus atos e omissões. pois todo homem forte alcança indefectivelmente o que um verdadeiro impulso lhe ordena buscar. mas em meio à liberdade alcançada, Harry compreendia de súbito que essa liberdade era a morte, que estava só, que o mundo o deixara em paz de uma inquietante maneira, que ninguém mais se importava com ele, nem ele próprio, e que se afogava aos poucos numa atmosfera cada vez mais tênue de falta de relações e de isolamento. Havia chegado ao momento em que a solidão e a independência já não eram seu objetivo e seu anseio, mas antes sua condenação e sua sentença. O maravilhosos desejo fora realizado e já não era possível voltar atrás e de nada valia agora abrir os braços cheio de boa vontade e nostalgia, disposto à fraternidade e à vida social. Tinham-no agora deixado só. Não que fosse motivo de ódio e de repugnância. pelo contrário, tinha muitos amigos. Um grande número de pessoas o precisavam. Mas tudo não passava de simpatia e cordialidade; recebia convites, presentes, cartas gentis, mas ninguém vinha até ele, ninguém estava disposto nem era capaz de compartilhar de sua vida. Agora rodeava-o a atmosfera do solitário, uma atmosfera serena da qual fugia o mundo em seu redor, deixando-o incapaz de relacionar-se, uma atmosfera contra a qual não poderia prevalecer nem a vontade nem o ardente desejo. Esta era uma das características mais significativas de sua vida.

Outra era a de que pertencia ao grupo dos suicidas. E aqui é necessário esclarecer que não se devem considerar suicidas somente aqueles que se matam. Entre estes há suicidas que só o chegaram a ser por mero acaso, e de cuja essência do suicídio não fazem realmente parte. Entre os homens sem personalidade, sem características definidas, sem destino traçado, entre os homens incapazes e amorfos, há muitos que perecem pelo suicídio, sem por isso pertencerem ao tipo dos suicidas, ao passo que há muitos que devem ser considerados suicidas pela própria natureza de seu ser, os quais, talvez a maioria, nunca atentaram efetivamente contra a própria vida. O "suicida" - e Harry era um deles - não precisa necessariamente viver em relações particularmente intensas com a morte; isto se pode fazer sem que se seja um suicida. É próprio do suicida sentir seu eu, certo ou errado, como um germe da natureza, particularmente perigoso, problemático e daninho, que se encontrava sempre extraordinariamente exposto ao perigo, como se estivesse sobre o pico agudíssimo de um penedo onde um pequeno toque exterior ou a mais leve vacilação interna seriam suficientes para arrojá-lo no abismo. Esta classe de homens se caracteriza na trajetória de seu destino porque para eles o suicídio é a forma de morte mais verossímil, pelo menos segundo sua própria opinião. A existência dessa opinião, que quase sempre é perceptível já na primeira mocidade e acompanha esses homens durante toda sua vida, não representa, talvez, uma particular e débil força vital, mas, ao contrário, encontram-se entre os suicidas naturezas extraordinariamente tenazes, ambiciosas e até ousadas. Mas assim como há naturezas que caem em febre diante da mais ligeira indisposição, assim propendem essas naturezas a que chamamos "suicidas" e que sempre são muito mais delicadas e sensíveis à menor comoção, a entregar-se intensamente à coragem a autoridade suficientes para ocupar-se do homem, em vez de fazê-lo simplesmente no mecanismo dos fenômenos vitais, se tivéssemos uma verdadeira Antropologia, uma verdadeira Psicologia, tais fatos seriam conhecidos de todos.

O que foi dito acima a propósito dos suicidas só diz respeito obviamente à superfície; é psicologia, portanto uma parte da física. Do ponto de vista metafísico, o assunto aparece de outra forma e muito mais claro, pois, vistos assim, os "suicidas" se nos apresentam como perturbados pelo sentimento de culpa inerente aos indivíduos, essas almas que encontram o sentido de sua vida não no aperfeiçoamento e moldagem do ser, mas na dissolução, na volta à mãe, a Deus, ao Todo. Muitas dessas naturezas são inteiramente incapazes de cometer suicídio real, porque têm uma profunda consciência do pecado que isso representa. Para nós, entretanto, são, apesar disso, suicidas, pois vêem a redenção na morte e não na vida; estão dispostos a eliminar-se e a entregar-se, a extinguir-se e a voltar ao princípio.

Assim como toda força pode converter-se em fraqueza (e em certas circunstâncias deve fazê-lo, necessariamente), assim, ao contrário, o suicida típico pode fazer de sua aparente debilidade uma força e um escudo, o que acontece aliás com certa freqüência. A estes pertenciam também Harry, o Lobo da Estepe. Como milhares de seus semelhantes, fazia da idéia de que o caminho da morte estava pronto para ele a qualquer momento, não uma quimera juvenil e melancólica, mas antes encontrava nesse pensamento um apoio e um consolo. É verdade que nele, como em todos os homens de sua espécie, cada comoção, cada dor, cada desesperada situação da vida, despertava imediatamente desejo de livrar-se de tudo por meio da morte. Mas, pouco a pouco, foi transformando em seu interior essa tendência numa filosofia que era, na verdade, propensa à vida. A profunda convicção de que aquela saída de emergência estava constantemente aberta lhe dava forças, fazia-o sentira curiosidade de provar seu sentimento até às últimas instâncias. E quando se via na miséria, podia às vezes sentir com furiosa alegria uma espécie de prazer em sofrer: "Estou curioso por saber até que ponto um homem pode resistir. E quando alcançar o limite do suportável, basta abrir a porta e escapar." Há muitos suicidas que extraem força extraordinária deste pensamento.

Por outra parte, a todos os suicidas é familiar a luta contra a tentação do suicídio. Cada um deles sabe muito bem, em algum canto de sua alma, que o suicídio, embora seja uma fuga, é uma fuga mesquinha e ilegítima, e que é mais nobre e belo deixar-se abater pela vida do que por sua própria mão. Tendo consciência disso, a mórbida consciência que é praticamente a mesma daqueles satisfeitos consigo mesmos, os suicidas em sua maioria são impelidos a uma luta prolongada contra o próprio vício. O Lobo da Estepe era bastante afeito a esse tipo de luta; nela já havia combatido com várias armas. Finalmente, aos quarenta e seis anos de idade, deu com uma idéia feliz, mas não inofensiva, que lhe causava, não raro, algum deleite. Fixou a data de seu qüinquagésimo aniversário como o dia no qual se permitiria o suicídio. Nesse dia, convencionara consigo mesmo, podia usar a saída de emergência, segundo a disposição que demonstrasse. Então poderia ocorrer-lhe o que fosse, enfermidades, miséria, sofrimentos e amarguras, que tudo teria um limite, nada poderia estender-se além daqueles poucos anos, meses e dias, cujo número era cada vez menor. E na realidade suportava agora com mais facilidade males que antes o teriam atormentado profundamente, males que o teriam comovido até as raízes. Quando por qualquer motivo as coisas iam particularmente más, quando novas dores e perdas se vinham juntar à desolação, ao isolamento e ao desespero de sua vida, podia dizer aos seus algozes: "Esperai mais dois anos e eu vos dominarei." E logo se punha a imaginar o dia de seu qüinquagésimo aniversário, quando, logo pela manhã, começariam a chegar as cartas de felicitações, enquanto ele, tomando da navalha, despedir-se-ia das dores e fecharia a porta atrás de si. Então a gota das juntas, a depressão do espírito e todas as dores de cabeça e do estômago poderiam procurar outra vítima.

Carece ainda de elucidação o fenômeno individual do Lobo da Estepe, e principalmente suas relações singulares com a burguesia, de modo que tais sintomas devem ser perscrutados em sua fonte de origem. Tomemos como ponto de partida, já que se nos apresenta por si mesma, precisamente aquela relação com o "burguês"!

O Lobo da Estepe vivia, segundo seu próprio entendimento, inteiramente à margem do mundo convencional, pois não conhecera nem a vida de família nem as ambições sociais. Sentia-se isolado ora como um esquisitão e doentio eremita, ora como um indivíduo superiormente dotado, que por seu gênio se sobressaía do comum dos mortais. Desprezava conscientemente a burguesia e vivia orgulhoso de não pertencer a ela. Contudo, sob muitos aspectos, vivia inteiramente como burguês, tinha dinheiro no banco, ajudava alguns parentes pobres, vestia-se sem cuidados particulares mas de maneira decente e sem chamar a atenção; procurava viver em paz com a polícia, os coletores de impostos e outros poderes semelhantes. Mas além disso sentia forte e secreta atração pela vida burguesa, pelas tranqüilas e decentes residências familiares com seus bem cuidados jardins, suas escadas reluzentes e sua modesta atmosfera de ordem e decoro. Agradava-lhe ter pequenos vícios e extravagâncias, sentir-se antiburguês, esquisitão ou gênio, mas nunca fixava residência onde não existisse nenhuma classe da burguesia. Não se encontrava à vontade em meio de pessoas violentas e atrabiliárias, nem entre delinqüentes e criminosos, mas antes procurava sempre viver em meio à classe média, com cujos hábitos, normas e atmosfera estava bem familiarizado, embora pudesse ter contra elas revolta e oposição. Além disso, fora educado em meio à pequena burguesia e dela conservara um grande número de idéias e noções. Teoricamente nada tinha em contrário à prostituição, mas na prática não seria capaz de levar uma prostituta a sério ou considerá-la realmente sua igual. Aos criminosos políticos, aos revolucionários ou aos sedutores espirituais, podia amá-los como se fossem seus irmãos, ou respeitar o estado e a sociedade, mas não saberia como tratar um ladrão, um criminoso ou sádico, a não se demonstrando por eles uma compaixão eminentemente burguesa.

Dessa forma sempre reconhecia e afirmava com uma parte de seu ser, por pensamentos ou atos, o que com a outra parte negava e combatia. Criado num lar burguês e culto, de moral firme, nunca chegara a libertar parte de sua alma desses convencionalismos, mesmo depois de haver-se individualizado na medida do possível dentro da burguesia e haver-se divorciado do conteúdo dos ideais e das crenças burguesas.

O "burguês", como um estado sempre presente da vida humana, não é outra coisa senão a tentativa de uma transigência, a tentativa de um equilibrado meio-termo entre os inumeráveis extremos e pares de opostos da conduta humana. Tomemos, por exemplo, qualquer dessas dualidades, como o santo e o libertino, e nossa comparação se esclarecerá em seguida. O homem tem a possibilidade de entregar-se por completo ao espiritual, à tentativa de aproximar-se de Deus, ao ideal de santidade. Também tem, por outro lado, a possibilidade de entregar-se inteiramente à vida dos instintos, aos anseios da carne, e dirigir seus esforços no sentido de satisfazer seus prazeres momentâneos. Um dos caminhos conduz à santidade, ao martírio do espírito, à entrega a Deus. O outro caminho conduz à libertinagem, ao martírio da carne, à entrega, à corrupção. O burguês tentará caminhar entre ambos, no meio do caminho. Nunca se entregará nem se abandonará à embriaguez ou ao ascetismo; nunca será mártir nem consentirá em sua destruição, mas, ao contrário, seu ideal não é a entrega, mas a conservação de seu eu, seu esforço não significa nem santidade nem libertinagem, o absoluto lhe é insuportável, quer certamente servir a Deus, mas também entregar-se ao êxtase, quer ser virtuoso, mas quer igualmente passar bem e viver comodamente sobre a terra. Em resumo, tenta plantar-se em meio aos dois extremos, numa zona temperada e vantajosa, sem grandes tempestades ou borrascas, e o consegue ainda que à custa daquela intensidade de vida e de sentimentos que uma existência extremada e sem reservas permite. Viver intensamente só se consegue à custa do eu. Mas o burguês não aprecia nada tanto quanto o seu eu (um eu na verdade rudimentarmente desenvolvido). À custa da intensidade consegue, pois, a subsistência e a segurança; em lugar da posse de Deus cultiva a tranqüilidade da consciência; em lugar dos ardores mortais, uma temperatura agradável. O burguês é, pois, segundo sua natureza, uma criatura de impulsos vitais muito débeis e angustiosos, temerosa de qualquer entrega de si mesma, fácil de governar. Por isso colocou em lugar do poder a maioria, em lugar da autoridade a lei, em lugar da responsabilidade as eleições.

E compreensível que esta débil e angustiada criatura, embora existindo em número tão grande, não consiga manter-se, que, de acordo com suas particularidades, não possa representar outro papel no mundo senão o de rebanho de cordeiro entre lobos erradios. Contudo, vemos que, em tempos de governos fortes, os burgueses se vêem oprimidos contra a parede, mas nunca sucumbem; na verdade às vezes parecem mesmo dominar o mundo. Como será possível? Nem o numeroso rebanho, nem a virtude, nem o senso comum, nem a organização serão suficientes para salvá-lo da destruição. Não há remédio no mundo que possa sustentar uma intensidade tão débil em sua origem. E, todavia, a burguesia vive, é forte e próspera. Porquê?

A resposta é a seguinte: Por causa dos lobos da estepe. Com efeito, a força vital da burguesia não se apóia de maneira alguma nas particularidades de seus membros normais, porém nas dos extraordinários e numerosos outsiders2 que, em conseqüência, a querem rodear com a vaga indecisão e a elasticidade de seus ideais. Convivem sempre na burguesia uma grande multidão de naturezas fortes e selvagens. Nosso Lobo da Estepe, Harry, é um exemplo característico. Ele que se desenvolveu muito mais do que se espera de um burguês, ele que conhece as delícias da meditação e também as sombrias alegrias do ódio e do ódio contra si mesmo, ele que despreza a lei, a virtude, o senso comum, é, no entanto, um prisioneiro forçado da burguesia e não pode escapar a ela. E assim em torno do núcleo da burguesia se sobrepõem amplas camadas de Humanidade, muitos milhares de vidas e inteligências, cada uma das quais surgida certamente da burguesia e disposta a uma vida sem reservas, mas que continua dependente da burguesia por sentimentos infantis e um tanto contagiada em sua debilidade pela intensidade vital; e embora pertencendo a ela, obrigadas e a seu serviço, pois à burguesia assenta perfeitamente o contrário da máxima do Grande: "Quem não está contra mim, está comigo."

Se examinarmos agora a alma do Lobo da Estepe, veremos que ele é distinto do burguês por causa do alto desenvolvimento de sua individualidade, pois toda a individualização superior se orienta para o egoísmo e propende portanto ao aniquilamento. Vemos que tem em si um forte impulso tanto para o santo quanto para o libertino; no entanto, não pode tomar o impulso necessário para atingir o espaço livre e selvagem, por debilidade ou inércia, e permanece desterrado na difícil e maternal constelação da burguesia. Esta é sua situação no espaço do mundo e sua sujeição. A maior parte dos intelectuais e dos artistas pertence a esse tipo. Só os mais fortes entre eles ultrapassam a atmosfera da terra da burguesia e logram entrar no espaço cósmico; todos os demais se resignam ou selam pactos, pertencem a ela, reforçam-na e glorificam-na, pois em última instância têm de professar sua crença para viver. A vida desse infinito número de pessoas não atinge o trágico, mas apenas um infortúnio considerável e uma desventura, em cujo inferno seus talentos engendram e frutificam. Os poucos que se libertaram buscam sua recompensa no absoluto e sucumbem no esplendor. São os trágicos e seu número é pequeno. Mas os outros, os que permaneceram submissos, a cujo talento a burguesia concede com freqüência grandes homenagens, a estes se abre um terceiro reino, um mundo imaginário, mas soberano: o humor. Os inquietos lobos da estepe, a esses contínuos e terríveis pacientes, ao que está negado o apoio necessário para o trágico, para subir ao espaço sideral, que se sentem chamados para o absoluto e, no entanto, não podem nele viver; para esses, quando seu espírito se fez duro e elástico na dor, abre-se-lhes o caminho conciliante do humor. O humor é sempre um pouco burguês, embora o verdadeiro burguês seja incapaz de compreendê-lo. Em suas imaginárias esferas realiza-se o ideal intrínseco e multifacetado de todos os lobos da estepe: aqui é possível não apenas celebrar o santo e o libertino ao mesmo tempo e unir um pólo ao outro, mas também incluir os burgueses na mesma afirmação. É possível estar-se possuído por Deus e sustentar o pecador, e vice-versa, mas não é possível nem ao santo nem ao libertino (nem a nenhum outro absoluto) afirmar aquele meio-termo fraco e neutro que se chama burguês. Somente o humor, a magnífica descoberta dos que foram detidos em seu vôo para o mais alto, dos quase trágicos, dos infelizes superdotados, só o humor (talvez o produto mais genuíno e genial da Humanidade) atinge esse impossível e une todos os aspectos da existência humana nos raios de seu prisma. Viver no mundo como se não fosse o mundo, respeitar a lei e no entanto colocar-se acima dela, possuir uma coisa "como se não a possuísse", renunciar como se não tratasse de uma renúncia, todas essas proposições favoritas e formuladas com freqüência, todas essas exigências de uma alta ciência da vida, somente pode realizá-las o humor.

E no caso do Lobo da Estepe, a quem não faltam faculdades e disposições para tanto, se lograsse, no labirinto de seu inferno, absorver e transpirar essa bebida mágica, então estaria salvo. Ainda lhe falta muito para isso, mas a possibilidade, a esperança existem. Quem o ama, quem se interessa por ele, pode desejar-lhe esta salvação. Ela iria, é verdade, mantê-lo preso ao mundo burguês, mas seu padecimento seria suportável e produtivo. Suas relações com o mundo burguês quer no amor quer no ódio perderiam seu sentimentalismo e sua sujeição a ele cessaria de atormentá-lo continuamente como um opróbio.

Para alcançar isto, ou para, afinal, ser capaz de tentar o salto no desconhecido, teria um lobo da estepe de defrontar-se algumas vezes consigo mesmo, olhar profundamente o caos de sua própria alma e chegar à plena consciência de si mesmo. Sua existência enigmática revelar-se-ia então para ele em toda sua invariabilidade e ser-lhe-ia impossível para sempre no futuro escapar do inferno de seus impulsos e refugiar-se em consolos filosóficos e sentimentais. Seria necessário que o homem e o lobo se conhecessem mutuamente sem falsas máscaras sentimentais, que se fitassem nos olhos em toda a sua nudez. Então explodiriam ou se separariam para sempre, de modo que não voltariam a existir lobos da estepe ou chegariam a bons termos à luz nascente do humor.

É possível que Harry tenha um dia esta última possibilidade. É possível que um dia aprenda a conhecer-se, seja porque receberá nas mãos um dos nossos espelhinhos, seja porque alcance o Imortal ou talvez encontre num dos nossos teatros mágicos aquilo de que necessita para libertar sua alma desgarrada. Mil possibilidades o esperam, seu destino as atrai irremediavelmente, pois todos esses solitários da burguesia vivem na atmosfera dessas mágicas possibilidades. Basta apenas um nada para que se produza a centelha.

E tudo isso é amplamente conhecido pelo Lobo da Estepe, ainda que seus olhos nunca venham a dar com este fragmento de sua biografia íntima. Ele suspeita e teme a possibilidade de um encontro consigo mesmo, e está cônscio da existência daquele espelho no qual tem uma necessidade tão marga de olhar-se e no qual teme mortalmente ver-se refletido.

Para terminar nosso estudo resta esclarecer ainda uma última ficção, um engano fundamental. Todas as interpretações, toda psicologia, todas as tentativas de tornar as coisas compreensíveis se fazem por meio de teorias, mitologias, de mentiras; e um autor honesto não deveria furtar-se, no fecho de uma exposição, a dissipar essas mentiras dentro possível. Se digo "acima" ou "abaixo", isso já é uma afirmação, que exige um esclarecimento, pois só existem acima e abaixo no pensamento, na abstração. O mundo mesmo não conhece nenhum acima nem abaixo.

Da mesma maneira, para ser sucinto, o lobo da estepe também é uma ficção. Se o próprio Harry se sente como homem-lobo e se crê formado por dois seres inimigos e opostos, isso é puramente uma mitologia simplificadora. Harry não é nenhum homem-lobo, e se aceitamos a princípio sua mentira, inventada e acreditada por ele mesmo, e tentamos considerá-lo e explicá-lo dentro da realidade como um ser duplo, como um lobo da estepe, foi porque nos aproveitamos dela para sermos compreendidos mais facilmente, mentira essa cuja retificação deve ser tentada agora.

A divisão em lobo e homem, em impulso e espírito, mediante a qual Harry procura explicar seu destino, é uma grosseira simplificação, uma violentação do real em favor de uma explicação plausível porém errônea da desarmonia que este homem encontra em si e que lhe parece a fonte de seus não leves sofrimentos. Harry encontra em si um "homem", ou seja, um mundo de pensamentos, de sensações, de cultura, de natureza domada e sublimada, e vê também, ao lado de tudo isto, um "lobo", ou seja, um obscuro mundo de instintos, de selvagerismo e crueldade, de natureza bruta e insublimada. Apesar desta divisão, ao que tudo indica tão clara de seu ser em duas esferas, que são inimigas entre si, de quando em quando, já percebeu que o lobo e o homem, durante algum tempo, vivem reconciliados. Se Harry tentasse estabelecer em cada momento determinado de sua vida, em cada um de seus sentimentos, a parte correspondente neles ao homem e a parte que corresponde ao lobo, acabaria por encontrar-se num dilema, e toda a sua bela teoria do homem-lobo cairia por terra. Pois não há um único ser humano, nem mesmo o negro primitivo, nem mesmo os idiotas, convenientemente simples, que possa ser explicado como a soma de dois outros elementos principais; e explicar um homem tão complexo quanto Harry por meio da ingênua divisão em lobo e homem seria uma tentativa positivamente infantil. Harry compõe-se não de dois, mas de cem ou de mil seres. Sua vida não oscila (como a vida de cada um dos homens) simplesmente entre dois pólos, tais como o corpo e o espírito, o santo e o libertino, mas entre mil, entre inumeráveis pólos.

Não devemos surpreender-nos pelo fato de que mesmo um homem tão inteligente e educado quanto Harry possa tomar-se por um lobo da estepe e reduzir a rica e complexa imagem de sua vida a uma fórmula tão simples, tão rudimentar e primitiva. O homem não é capaz de pensar em alta escala, e mesmo o mais espiritual e altamente intelectualizado pode contemplar o mundo e a si próprio através das lentes de fórmulas enganosas e simplistas - especialmente a si próprio! Pois parece ser uma necessidade inata e imperativa de todos os homens imaginarem o próprio ser como uma unidade. E apesar de essa ilusão sofrer com freqüência graves contratempos e terríveis choques, ela sempre se recompõe. O juiz que se senta defronte ao criminoso e o fita no rosto, e por um instante reconhece todas as emoções, potencialidades e possibilidades do assassino em sua própria alma de juiz e ouve a voz do assassino como sendo a sua, já no momento seguinte volta a ser uno e indivisível como juiz, volta a encerrar-se na envoltura do seu eu quimérico e cumpre seu dever e condena o assassino à morte. E se em algumas almas humanas, singularmente dotadas e de percepção sensível, se levanta a suspeita de sua composição múltipla, e, como ocorre aos gênios, rompem a ilusão da unidade personalística e percebem que o ser se compõe de uma pluralidade de seres como um feixe de eus, e chegam a exprimir essa idéia, então imediatamente a maioria as prende, chama a ciência em seu auxílio, diagnostica esquizofrenia e protege a Humanidade para que não ouça um grito de verdade dos lábios desses infelizes. Então, para que perder aqui palavras, por que expressar coisas que todos aqueles que pensam conhecem por si mesmos, quando sua simples enunciação é uma nota de mau gosto? Assim, pois, se um homem se aventura a converter numa dualidade a pretendida unidade do eu, se não é um gênio, é em todo caso uma rara e interessante exceção. Mas na realidade não há nenhum eu, nem mesmo no mais simples, não há uma unidade, mas um mundo plural, um pequeno firmamento, um caos de formas, de matizes, de situações, de heranças e possibilidades. Cada indivíduo isolado vive sujeito a considerar esse caos como uma unidade e fala de seu eu como se fora um ente simples, bem formado, claramente definido; e a todos os homens, mesmo aos mais eminentes, esse rude engano parece como uma necessidade, uma exigência da vida, como o respirar e o comer.

O equívoco reside numa falsa analogia. Todo homem é uno quanto ao corpo, mas não quanto à alma. Também na literatura, mesmo na mais refinada, encontramos este conceito habitual em personagens aparentemente unas, aparentemente uniformes. No teatro de hoje, o que mais aprecia a gente do ofício, os conhecedores, é o drama, e com razão, pois oferece (ou oferecia) as maiores possibilidades para a representação do eu como uma pluralidade, se isto não se opõe a brutal impressão de unidade que nos dá cada pessoa isolada do drama, ao levar encerrada, sem resistência, essa pluralidade num corpo simples, uniforme e isolado. Também apreciam muito a ingênua estética do chamado drama de caráter, no qual cada figura se apresenta como uma unidade muito característica e isolada. Só de longe e pouco a pouco começa a despertar em alguns a suspeita de que tudo isto não passa de uma razoável estética superficial, de que nos equivocaremos se aplicarmos aos nossos grandes dramaturgos a magnífica idéia de beleza dos antigos, pois esta não é congênita a nós, mas simplesmente intuída, e é nela, na fonte comum dos corpos visíveis, que se encontra exatamente a ficção do ego, da personalidade. Nas obras da Índia antiga esta concepção é completamente desconhecida, os heróis da epopéia índica não são pessoas, mas aglomerados de pessoas, conjuntos de reencarnações. E em nosso mundo moderno há obras em que, por trás do véu do jogo das pessoas e caracteres, tentou-se apresentar uma pluralidade de almas, não de todo inconsciente para o autor. Quem queira comprovar isto deve decidir-se a considerar de uma vez as figuras de uma obra semelhante, não como seres individuais, mas como pares, como facetas, como aspectos diversos de uma suprema unidade (que para mim é a alma do poeta). Quem examinar deste modo o Fausto, tanto o Fausto, Mefistófeles, Wagner e todos os demais significarão para ele a unidade, uma superpessoa, e só nesta suprema unidade e não nas figuras isoladas estará refletido algo da verdadeira essência da alma. Quando fausto diz a frase que ficou célebre entre os professores e admirada com terror pelos filisteus: "Duas almas, ai, moram no meu peito!" esqueceu-se de Mefistófeles e de toda uma multidão de outras almas que também se abrigam em seu peito. Nosso Lobo da Estepe crê levar também em seu peito duas almas (lobo e homem) e por isto sente o peito demasiadamente oprimido e estreito. O peito, o corpo, é sempre uno, mas as almas que nele residem não são nem duas, nem cinco, mas incontáveis, o homem é um bulbo formado por cem folhas, um tecido urdido com muitos fios. Os antigos asiáticos sabiam disto muito bem, e encontram no ioga búdico uma técnica precisa para descobrir a ilusão da personalidade. Divertido e multíplice é o jogo da Humanidade: a ilusão que levou milhares de anos para ser descoberta pelos hindus é a mesma ilusão que aos ocidentais custou tanto trabalho custodiar e fortalecer.

Se observarmos o Lobo da Estepe a partir deste ponto de vista, veremos claramente porque sofre tanto sob a sua ridícula dualidade. Crê, como Fausto, que duas almas são demais pra um peito só e podem arrebentar com ele. Mas, ao contrário, são demasiado poucas, e Harry violenta terrivelmente sua pobre alma se busca compreendê-la numa imagem tão primitiva. Harry, embora seja um homem grandemente instruído, procede talvez como um selvagem, que não sabe contar além de dois. Chama a uma parte de si mesmo de homem, à outra, de lobo, e com isso acredita haver chegado á meta e esgotado o assunto. No "homem" encerra tudo o que há de espiritual, de sublime ou culto que encontra em si, e no "lobo" tudo o que há de instintivo, de selvagem e caótico. Mas as coisas não se passam na vida de maneira tão simples como em nosso pensamento, nem tão rude como em nosso pobre idioma de idiotas, e Harry se engana duplamente ao empregar este método tacanho do lobo. Harry considera, o que é de temer-se, todas as divisões de sua alma como parte do "homem", muitas das quais já deixaram de ser homem, e qualifica partes de seu ser como lobo, partes que há muito já estão além do lobo.

Como todos os homens, Harry crê saber muito bem o que é o homem, e não sabe absolutamente nada, embora o suspeite algumas vezes em sonho ou em outros estados anímicos não sujeitos a controle. Quem dera não esquecesse esses pressentimentos, mas se apropriasse deles tanto quanto possível! O homem não é uma forma fixa e duradoura (tal era o ideal dos antigos, apesar do pensamento em contrário de alguns luminares da época); é antes um ensaio e uma transição, não é outra coisa senão a estreita e perigosa ponte entre a Natureza e o Espírito. Para o espírito, para Deus, ele é impulsionado por sua vocação mais íntima. para a natureza, para a mãe, é atraído pelo mais íntimo desejo. Sua vida oscila vacilando angustiosamente entre ambos os poderes. O que se compreende comumente pela palavra "homem" é sempre uma estipulação efêmera e burguesa. Certos impulsos mais crus estão afastados e proibido nessa convenção; um grau de consciência e de cultura humana são reclamados à besta; uma pequena parcela de espírito não é somente permitida, como também encorajada. O homem desta convenção, como todos os outros ideais burgueses, é uma conciliação, um intento tímido, de ingênua astúcia com o intuito de enganar tanto à perversa mãe Natureza primitiva quanto o incômodo primitivo pai Espírito de suas enérgicas exigências e para viver na zona temperada entre eles. É por isso que a média das pessoas permite e tolera aquilo que denomina "personalidade", mas ao mesmo tempo entrega a personalidade àquele Moloch chamado "Estado" e intriga continuamente um com o outro. Assim o burguês queima hoje por herege e enforca por criminoso aquele ao qual amanhã levantará estátuas.

Que o "homem" não é alguma coisa já criada, mas apenas uma exigência do espírito, uma possibilidade longínqua, tão desejada quanto temida, e que o caminho a que isto conduz só vai sendo percorrido em pequenos impulsos e debaixo de terríveis tormentos e sonhos, precisamente por aquelas raras individualidades, para as quais hoje se prepara o patíbulo e amanhã o monumento - é a suspeita que vive também no Lobo da Estepe. Porém, o que ele para si designa como "homem", em contraposição ao seu "lobo", não é, em grande parte, senão aquele homem medíocre do convencionalismo burguês. O caminho para o verdadeiro homem, o caminho para os imortais, Harry adivinha-o perfeitamente e percorre-o também aqui e ali com timidez, muito lentamente, pagando este avanço com graves tormentos e com seu doloroso isolamento. mas, proporcionar-se, aspirar àquela suprema exigência, àquela encarnação pura e buscada pelo espírito, andar o único caminho estreito para a imortalidade, isto receia-o no mais profundo de sua alma. tem perfeita consciência de que isto conduz a tormentos ainda maiores, à proscrição, à renúncia de tudo, talvez ao cadafalso; e, apesar de saber que no fim deste caminho a imortalidade sorri sedutora, não está disposto a padecer todos estes sofrimentos, a morrer todas estas mortes. Tendo ainda mais consciência do fim da encarnação do que os burgueses, fecha, todavia, os olhos e faz por ignorar que o apego desesperado ao próprio eu, a desesperada ânsia de viver, são o caminho mais seguro para a morte eterna, ao passo que o saber morrer, rasgar o véu do mistério, ir procurando eternamente mutações em si mesmo, conduz à imortalidade. Quando adora os seus favoritos entre os imortais, Mozart, por exemplo, nunca o faz, afinal, senão com olhos de burguês, e pretende explicar doutamente a perfeição de Mozart apenas pelos seus altos dotes de músico, e não pela grandeza de sua abnegação, paciência no sofrimento e independência perante os ideais da burguesia, pela sua resignação naquele extremo isolamento, semelhante ao do horto de Getsêmani, que em torno do que sofre e está em vias de reencarnação rarifica toda a atmosfera burguesa até convertê-la em gelado éter cósmico.

Mas, enfim, o nosso Lobo da Estepe descobriu dentro de si ao menos a duplicidade fáustica; conseguiu determinar que à unidade de seu corpo corresponde uma unidade espiritual, mas que, no melhor dos casos, apenas se encontra em caminho, com uma larga peregrinação à frente, para o ideal dessa harmonia. Desejaria vencer dentro de si o lobo e viver inteiramente como homem, ou então, renunciar ao homem e viver ao menos como lobo uma vida uniforme, sem desvios. Provavelmente nunca observou com atenção um lobo autêntico; então veria, talvez, que nem mesmo os animais possuem a anuidade da alma, que também neles, atrás da bela e austera forma do corpo, vive uma multiplicidade de desejos e de estados; que também o lobo tem abismos no seu interior e também sofre. Não! Com a volta à Natureza o homem vai sempre por um falso caminho, cheio de sofrimentos e sem esperanças. Harry não pode tornar a converter-se inteiramente em lobo, e se tal acontecesse veria que nem mesmo o lobo é simples e originário, mas alguma coisa já muito complexa. Também o lobo tem duas e mais de duas almas dentro do peito, e quem desejar ser um lobo incorre na mesma ignorância do homem da canção: "Feliz quem voltasse a ser criança!" O homem simpático, mas sentimental, que entoa a canção do menino ditoso, desejaria também voltar à Natureza, à inocência, ao princípio, mas esqueceu que nem mesmo as crianças são felizes, e sim suscetíveis de muitos conflitos, de muitas desarmonias, de todos os sofrimentos.

Para trás, não conduz a nenhum caminho, nem para o lobo nem para a criança. No princípio das coisas não há simplicidade nem inocência; tudo o que foi criado até o que parece mais simples, é já culpável, já complexo, foi lançado ao sujo torvelinho do desenvolvimento e já não pode, não poderá nunca mais, nadar contra a corrente. O caminho para a inocência, para o incriado, para Deus, não se dirige para trás mas sim para diante; Não para o lobo ou a criança, mas cada vez mais para a culpa, cada vez mais fundamente dentro da encarnação humana. Nem mesmo com o suicídio, pobre Lobo da Estepe, te livrarás realmente das dificuldades; tens de percorrer o caminho mais largo, mais penoso e mais difícil da humana encarnação; freqüentemente terás de multiplicar a tua multiplicidade, complicar ainda mais a tua complexidade. Em vez de reduzir o teu mundo, de simplificar a tua alma, terás de recolher cada vez mais mundo, de recolher no futuro o mundo inteiro na tua alma dolorosamente dilatada, para chegar talvez algum dia ao fim, ao descanso. O mesmo caminho foi percorrido por Buda e todos os grandes homens, uns conscientes, outros inconscientemente, na medida em que a fortuna favorecia a sua busca. Nascimento significa desunião do todo, limitação, afastamento de Deus, penosa reencarnação. Volta ao todo, anulação da dolorosa individualidade, chegar a ser Deus, quer dizer: ter dilatado a alma de tal forma que se torne possível voltar a conter novamente o todo.

Não se trata aqui do homem conhecido das escolas, da economia política ou da estatística, nem do homem que aos milhões anda pela rua e não tem mais importância do que a areia ou a espuma dos mares: pouco adiantam alguns milhões a mais ou a menos; são material e nada mais. Não, nós falamos aqui do homem no sentido elevado do termo, do largo caminho da encarnação humana, do homem verdadeiramente real, dos imortais. O gênio não é tão raro como em geral nos parece, nem tão freqüente como pretendem as histórias literárias, a história universal e até mesmo os jornais. O Lobo da Estepe, Harry, segundo nossa opinião, seria gênio bastante para intentar a aventura da encarnação humana, sem necessidade de trazer para confrontação, lamentavelmente, a cada dificuldade, o seu estúpido lobo da estepe.

É tão estranho e entristecedor que homens de tais possibilidades surjam como lobos da estepe e com "duas almas, ai!" e que mostrem tanta afeição covarde ao burguês. Um homem capaz de compreender Buda, um homem que tem noção dos céus e dos abismos da natureza humana, não deveria viver num meio em que domina o senso comum, a democracia e a educação burguesa. Só por covardia continua a viver nele, e quando suas dimensões o oprimem, quando a estreita cela do burguês se torna demasiado apertada, ele atribui tudo isto ao "lobo" e não que aperceber-se de que às vezes o lobo é a sua melhor parte. Tudo o que há de feroz dentro de si ele o atribui ao lobo e o tem por mau, perigoso e terror dos burgueses; mas ele que, no entanto, se acredita um artista e supõe ter sensibilidade, não é capaz de ver que fora do lobo, atrás do lobo, vivem no seu interior muitas outras coisas: que nem tudo o que morde é lobo; que dentro de si habitam também a raposa, o dragão, o tigre, o macaco e a ave-do-paraíso, e que todo este mundo é um éden cheio de milhares de seres, formosos e terríveis, grandes e pequenos, fortes e delicados, mundo asfixiado e cercado pelo mito do lobo - tanto como o verdadeiro homem que nele há é asfixiado e preso apenas pela sua aparência de homem, pelo burguês.

Imagine-se num jardim de cem espécies de árvores, com mil variedades de flores, com cem espécies de frutas e outros tantos gêneros de ervas. Pois bem: se o jardineiro que cuida deste jardim não conhece outra diferenciação botânica além do "joio" e do "trigo", então não saberá que fazer com nove décimas partes de seu jardim, arrancará as flores mais encantadoras, cortará as árvores mais nobres, ou pelo menos ter-lhes-á ódio e as olhará com maus olhos. Assim faz o Lobo da Estepe com as mil flores de sua alma. O que não está compreendido na designação pura e simples de "lobo" ou de "homem nem sequer merece sua atenção. E quantas qualidades ele empresta ao homem! Tudo o que é covarde, símio, estúpido, mesquinho, desde que não seja muito, diretamente lupino, ele atribui ao "homem", assim como atribui ao "lobo" tudo o que é forte e nobre, só porque não conseguiu ainda dominá-lo.

Despedimo-nos de Harry. Deixamos que continue o seu caminho. Se já estivesse com os imortais, se já tivesse chegado lá onde a sua penosa marcha parece querer levá-lo, como olharia assombrado este vaivém, este feroz e irresoluto ziguezague da sua rota, como sorriria a este lobo da estepe, animando-o, censurando-o, com compaixão e complacência!"



(Der Steppenwolf, Hermann Hesse)

15 de set. de 2009

Semente

There is a better outside of you... cantava erroneamente Alex essa canção melancolicamente alegre. Cantava desafinado, horrivelmente, fora de ritmo, Mal! Mas cantava-a feliz. Cantava-a verdadeiramente.
Queria enviar uma mensagem para uma menina que recém conheceu. A mensagem que ele queria enviar era a sua verdade: Eu te amo. Não. Não amo ela ainda. O amor, me disseram, tem que ser trabalhado, é construído, é com a convivencia, é só assim que se sabe se você ama mesmo a pessoa - se você a suporta! Mas não. Ele não podia enviar essa mensagem ainda pois lhe foi proíbido por seus oráculos sobre comportamento feminino: Anabella e Silvia. Como assim? Você nem conhece ela e já quer se declarar assim? Vai afugentar a menina! É! Se fosse comigo eu não ia gostar não... Enfim. Não.
Isso lhe desanimou o dia. A semana. O mês. Porque não posso falar a verdade? Porque? Eu amo ela sim! E eu quero lhe dizer isso já! O amor não é pra ser contido. O amor não é um jogo! O amor é verdade! É dizer desde já que eu gostei de você e que quero te ver mais vezes! Sim! É o oposto do medo! Sim! "A verdade tem que ser vivida, não aprendida! Prepare-se para a batalha!" disse o grande poeta! Mas também o grande filósofo disse que a verdade é como o Sol, que cega quem o encara por muito tempo, que para descubrir-lhe os seus segredos temos que ir pelo seu reflexo. Ó Deus. E agora? Enviei a mensagem! O que aconteceu com ir devagar? Com saborear a dor do amor, as insonias e a ansiedade. Os sonhos! Será que é vontade de acabar logo com a coisa? De ir ou não ir? Será que se declarar é uma grande expressão da sua verdade, do seu coração, do seu amor... Ou uma expressão da sua falta de força? Expressão da sua falta de experiência... Se esse amor é real. Acho que ela vai ficar brava. Pois ela obviamente quer saborear tudo... E vai me responder Você não tem o direito de fazer isso com nós.
Ela tem razão. Ou não?
Não importa.

5 de set. de 2009

wandering

"Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba."

é irmão Hesse.

sonhei com S. Francisco de Assis.

não lembro de nada.

um sentimento estranho

22 de ago. de 2009

Buraco negro

- Não, filho! Não quero que você volte a falar nisso. E muito menos ao médico!
- Mas mãe! É a verdade! Você tem que acreditar em mim! Não estou inventando nem mentindo!
Os olhos de Lúcia já estavam lacrimejando. Nessa época de sua vida já não suportava levantar a voz ao seu filho. Outrora isso lhe causava apenas irritação, e certas vezes prazer, sensação de poder. Agora lhe causava terrível angustia. Ela fechou os olhos se contendo, e falou calmamente.
- Gabriel... Filho... É a sua condição. Você tem que entender. Não podemos deixar que o médico te ache louco... Já é um milagre estarmos aqui. Não podemos correr esse risco, filho.
- Mas mãe... Te digo a verdade...
- Filho... Por favor, não.
Gabriel calou. Olhou para fora da janela e fechou os olhos, cansado.
Lúcia inspirou pesadamente o ar, querendo chorar, e soltou-o, lembrando das coisas para fazer como dobrar as roupas de Gabriel, arrumar o banheiro com coisas do seu filho e agradecer as enfermeiras pelo carinho e cuidado para com seu filho. Ela fez todas essas coisas e ficou no corredor, fora do quarto, sem saber o que pensar ou fazer. Não conseguia confrontar seu filho. Não conseguia. Sentou-se na cadeira ao lado da porta e olhou por minutos a fio o chão do corredor. Sentia o cheiro de cloro no chão, um produto de limpeza tão forte que a fez esquecer de tudo. Pensava agora na sua infância... e como sua mãe cuidou dela uma vez que teve pneumonia. Sorriu, nostálgica, e baixou a cabeça, pensativa. Dormiu.
Gabriel estava deitado em seu leito, esperando sua mãe voltar.
Entrou no quarto seu médico, Doutor Mariano.
- E como estamos nos sentindo hoje, Gabriel?
- Bem...
- E a mamãe cadê?
- Saiu pra fazer algo mas não voltou. Não sei.
- Hm...
- Doutor...
- Me chama de Mariano, Gabriel... É assim que meus amigos me chamam.
- Tá... Mariano... Queria lhe falar algo... Mas minha mãe não deixa.
- Porque ela não deixa? Aconteceu algo?
- Não... Ela acha que eu to mentindo, e aí fica brava comigo...
- Mas... Porque?
- Bom. Sabe minha condição?
Mariano assentiu com a cabeça, com os olhos fixos nos de Gabriel.
- Então. Não é uma doença. É algo normal. Natural. É um buraco negro que tenho dentro da minha cabeça.
Mariano olhou perplexo à Gabriel...
- Então é isso... Pode achar que estou louco ou mentindo. Mas é isso. É isso que eu queria lhe falar.
Mariano abriu a boca para falar alguma coisa mas saiu apenas um "a" curto de sua boca e levantou e saiu do quarto. Mariano passou diretamente por Lúcia, que seguia dormindo e pegou o elevador para o último andar. Entrou na sala de Pesquisa Avançada e viu 5 de seus colegas médicos ao redor de uma mesa de luz, com fotos de raio-x e de tomografias em cima. Todos olhando curiosamente as fotos e soltando comentários como: "Oh, nunca vi coisa igual". Ora, as fotos eram do cérebro de Gabriel. Mariano ficou parado atônito ao pé da porta. Um médico percebeu sua presença e olhou para ele, logo todos fizeram o mesmo.
- Que foi, Doutor?
- Vocês têm que vir comigo.

Lúcia despertou de seu profundo sono. Apercebeu-se no corredor, com uma luz distinta entrando pela janela do corredor. Onde ela estaria? Por quais mundos viajou nessas horas? Nem ela sabia direito. Sabia que estivera em algum lugar, com seu filho, sua mãe e emoções confusas, diferentes e misturadas. Passou a mão no rosto, querendo alguma reação de seus olhos cansados. Escutou vozes vindo do quarto de seu filho e olhou para dentro. Havia cinco médicos de aventais branco ao redor da cama de Gabriel. Conversavam entre si. Lúcia entrou no quarto, com cautela, esperando o pior ao ver a cama de seu filho. Mas estava tudo bem. Mariano estava sentado ao pé da cama. Lúcia, curiosa, sentiu que não devia intrometer-se e sentou-se em uma cadeira atrás deles a observar os médicos e seu filho.
- Gabriel, estes são meus colegas. São eles os responsáveis por saber direito qual sua condição. Agora... Repita o que você me disse momentos atrás... Por favor.
- Tem certeza? Eles não vão me achar louco?
Lúcia olhou friamente à Gabriel. Mas no fundo queria saber a reação dos demais. Gabriel olhou para ela e ela assentiu calmamente com a cabeça.
- Não Gabriel, você não está louco... Pode contar. Eles são amigos também.
- Tá...
Gabriel buscou um pouco de coragem e confiança para falar para mais de uma pessoa.
- É assim... Sabe o que eu tenho na minha cabeça? Que vocês não conseguem achar? É um buraco negro. Não é uma doença. Não é nada anormal para ser curado. É um buraco negro comum. Iguais aos que existem aos milhares no universo. Só que ele nasceu dentro de mim.
Todos ficaram pasmos e atônitos. Olharam um para o outro. Lúcia também olhava para o rosto deles e buscava qualquer opinião parecida com a sua nos rostos dos demais, mas não encontrava. Logo olhou para Gabriel, e este a mirava tranquilamente, um olhar cheio de paz e calma. Mariano estava de algum modo feliz, olhando as reações dos seus colegas, mas ainda igualmente surpreso. Voltou-se a Gabriel.
- Gabriel, e como é que você sabe disso?
- Ele fala comigo.
- Fala?
- Fala não. Eu sinto ele. É como se ele falasse comigo.
- E o que você sente? O que ele fala?
- Fala pra eu não ter medo. Que é assim que deve ser. Que assim é.
Todos olhavam a Gabriel silenciosamente. Lúcia rompeu o silêncio pedindo que alguém lhe explicasse algo. Mariano a levou de lado e lhe explicou que o que acontecia com o cérebro de Gabriel nunca ninguém no mundo havia visto algo igual. De início pensaram que era um tumor comum mas não é. As células não estão morrendo e sim desaparecendo. Parece que são sugadas para um nada. Por isso que todos ficaram perplexos com o caso de Gabriel e agora que ele nos contou isso... Faz muito sentido com o que temos. É incrível.

Gabriel morreu dias após revelar seu segredo. Mais tarde descobriram que as células não desapareciam e sim morriam e se encolhiam a tal ponto que não era possível enxergar na época. Era um tumor raro, mas ainda assim, um tumor.

Lúcia enterrou seu filho a uns lotes de onde sua mãe fora enterrada. De repente lembrou-se do sonho que teve naquele dia, no corredor: Era um dia no campo, estranho, ensolarado e sem vento. Gabriel era ainda um bebê e Lúcia uma jovem mãe. Gabriel estava em uma cesta de frutas rindo de sua mãe e das cócegas que o vime lhe causava. A mãe de Lúcia também era jovem. Tinha a idade de Lúcia. Eram grandes amigas, então. Enquanto Gabriel ria e brincava com sua avó, Lúcia se encontrava ao lado, frente a um estranho tanque de dois ralos, lavando as roupas de sua mãe e de Gabriel.

28 de jul. de 2009

Jesus

Jesus é um homem comum. Filho de uma mulher chamada Maria e de um homem chamado José. Viviam uma vida humilde e tranquila. José era carpinteiro e nada mais fazia do que se ocupar de seu oficio e ensinar suas técnicas a seu filho. Jesus, quando tinha seus poucos sete anos de idade, viu seu pai preparar duas grandes toras de madeira e lhe perguntou: "Pai... O que é isso?" José, constrangido, lhe respondeu - Filho... Sabe quando alguém é ruim e malvado e machuca outras pessoas? Isso aqui é o que a lei usa para eles... Para eles se arrependerem.
- Pai... Porque é você que tem que fazer isso?
- Porque precisamos do dinheiro, filho.
Jesus franziu o cenho, pensativo.
- Tá. Mas isso dói?
José riu bondosamente: - Um pouquinho...
- Tá... Faz de um jeito que não doa tanto tá bom???
- Tá bom, filho...
Jesus saiu correndo, alegre, da oficina de seu pai e foi ao seu pequeno quarto, orar. Jesus orava por horas a fio. Isso lhe trazia força, alegria e vida. Ele não orava para nenhum nome conhecido, seu deus, ele chamava-o de Pai. A primeira vez que Jesus disse isso a alguém foi à Miriam, seu primeiro amor. Jesus, agora com seus 14 anos, estava apaixonado por essa garota. Miriam era uma típica menina da sociedade. Bonita, vaidosa, complexa. Contava nos dedos os meninos que a cortejavam... e adorava esse jogo. Jesus orava ao Pai, sinceramente e direto de seu coração, lhe pedia que Ele abrisse os olhos de Miriam de alguma forma e que se apaixonasse por ele. Uma idéia parecida vinha-lhe à cabeça, uma vontade irresistível, de pedir que Ele fizesse que ela se apaixonasse por ele... que Ele lhe desse ela. Ó, certamente Lhe pediu isso uma vez, mas se reprovou por isso. Era um sábio conhecedor do amor, e sabia que essas coisas não acontecem assim tão fácilmente, e mesmo se acontecesse, não é esse o modo que Jesus gostaria que acontecesse, por maior que fosse seu desejo... Mas, Miriam, entre todos os seus pretendentes, elegiu Jesus, o primeiro a lhe negar atenção, porque odiava o fato de ter os olhos de Jesus hora voltados para ela, hora voltados para dentro. Não conseguia conciliar a idéia de uma atenção dividida... Sentia-se traída.
- Miriam... Sabe que eu te amo muito não?
- Sei... e eu amo você.
- Eu e você... Somos um, Miriam.
Miriam adorava essas palavras... Sentia a verdade traspassar seu ser. Ao longo do tempo deixou a vaidade e seu jogo de conquista de lado... Sentiu esse caminho não ser o dela, e apenas era... uma criança. Passava seu tempo amando ao seu menino, e Jesus, a sua menina. Um dia, Miriam foi acometida de uma terrível doença... Seu corpo definhou e sua vontade de viver se limitava a abrir e fechar seus olhos umas poucas vezes ao dia. Ela abria os olhos, via Jesus, fechava-os, e via Jesus. Seu amor, Jesus.
Jesus não saiu do lado de sua amada em momento algum. Seu amor por ela crescia a cada momento... e sentia algo, lá dentro, brilhar... despertar. Orou ao Pai pela vida de sua amada. Orou ao Pai por descanso ao seu coração. Orou ao Pai por sua própria morte. Se ela morresse, ele também já não queria viver.
Nenhum desses pedidos foram atendidos. Miriam morreu. E alguma parte de Jesus, também.
Se refugiou no consolo de sua mãe Maria. Maria lhe trouxe conforto à sua melancolia. Disse à Jesus que ele ainda a encontraria no além, ao lado de Jeová. Jesus naquele momento sentiu um certo conforto, acolhedor, mas logo sentiu uma violenta tristeza. Seu coração dizia-lhe o contrário.
- Mãe, gosto muito de pensar nisso, mas sinto que não é verdade.
- Ora filho, está escrito assim.
- Mas eu não me sinto assim...
- Acalme-se... Tudo passa.
- Não, mãe. Isso não passa.

7 de jul. de 2009

Diabo

Criança acorda com barulho
Vai até a janela, olha
Uma floresta densa e escura
Um campo aberto entre a casa e essa floresta
Um homem branco, nu e raquitico, sai correndo de entre as arvores
em diagonal, em direção à casa, correndo, assustado
A criança se surpreende, com medo
Mais pessoas nuas, brancas como leite e magras
saem da floresta correndo e assustadas.
Uma sirene.
Relampagos estouram da floresta
Soldados nazistas aparecem andando da floresta
disparando suas metralhadoras.
As pessoas brancas estouram em vermelho.
Os soldados atiram, fumam, sorriem...
A criança...
A criança..

***

Criança sapeca
Mãe conta histórias de Satã
A criança acredita
Duas vezes o diabo pega ela
Uma na cozinha, o homem encapuzado
Uma na floresta, ao escapar do seu saco, o homem-bicho...
A criança foge, ele vem em direção a ela com os braços abertos...
Em seu calabouço ela acorda.
A mãe chama a criança, ardendo em febre.
A criança, delirando, chama o diabo.
A mãe se arrepende... O médico lhe diz pra não contar mais essas histórias.
"E como ele vai ser um menino bom?"
"Conte os bons ensinamentos."
- Desculpe, filho.

***

Criança conversando com o diabo na arvore.
- Deus me criou? Hunf! Essa história tá mal contada. Você consegue imaginar o bem criando o mal? Não né. Mas você consegue imaginar o mal criando o bem... não é? Por diversão. Eu criei o mundo. E já já ele acaba. Pra minha diversão...
- E eu? Posso ser mal?
- Você? Não! Ser mal é algo pra poucas pessoas. Você é bonzinho. Não pode ser mal. Eu não deixo.
- Ahhh... Que chato!
- Hehehehe... eu sei.
- Mas hoje na igreja falaram que na bíblia não é assim.
- A bíblia... sabe quando fala que no inicio tudo era escuridão? Bom, é isso. Sou essa escuridão.
- Ahhmmm...
- É como se eu pegasse um fósforo... (O diabo acende um fosforo) e pronto, criei o mundo. (Apaga o fósforo) Destrui o mundo.
- Posso te pedir um favor?
- Qual?
- Você pode destruir o mundo só mais tarde? Eu quero viver bastante!
- Isso depende inteiramente de você.
- Como assim?
- O mundo é seu...
- É meu???
- Sim... É seu e de todo mundo. É seu, dessa formiga, e dessa árvore. Você é o mundo.
- Mas... não dá pra entender...
- Ainda não... mas já já você vai entender. Por enquanto brinca de o bem contra o mal que também é divertido...
- É... Sabe... Eu gosto do bem...
-... Eu também...

3 de jul. de 2009

através do espelho

Tem algo aqui
que não quero enfrentar
Essa pressão
de onde vem?

De quem é?
É minha?
É tua?
É de alguém?

Ela existe?
Sinto um peso
dentro da minha cabeça
Ele se move na horizontal
Isso mesmo
Cresce
um tumor.

É a responsabilidade batendo?
E qual é ela?
Fazer dinheiro?
Me chamem de louco
mas esse não é o meu objetivo.

Essa semente que deixei crescer...
Me roubou tanto...
Porque???

Espero ter outra chance.
Espero...
Espero..
Espero.

cold room

so cold in my room
don't know why
it's cold like this

if this was a dream
what would it be
its meaning?

my muscles shrink
in agonizing pain
this absence of warmth
feels like dying.

a volcano turned cold
and nothing he had
to expel
to cause death
and life.

29 de jun. de 2009

Rascunhos

má educação

Quando meus pais se casaram, eram apenas crianças;
10 anos depois, se divorciaram, e continuam crianças.



Tragédia

o pai

a mae
o filho

um dizendo ao outro
te amo te amo te amo
é tão pouco...


E eu vi mais...

e um exemplo perfeito
que o céu e o inferno
é aqui
e que o espírito
não se divide do corpo


Lust for life

Ah, que da hora!
esse vento entrando furiosamente
depois de um dia de sol e chuva
calor e frio
esse vento me diz coisas


Bela arvore

bela arvore
brilhando em frente ao sol
sua folhas gritam vida
gozam noite e dia
ao toque suave
do vento
o gentil vento

...

... e estavam conectados.
ninguém nunca se perguntou
o porquê
seus sentimentos traziam à memória
entes queridos
ausentes

21 de jun. de 2009

16 de jun. de 2009

Mãe



Trabalhinho de Direção III, onde o tema era "Sábado a noite/Domingo de manhã" e você era livre para fazer o que quiser :D

30 de mai. de 2009

obama

duas vezes sonhei que ele começava uma guerra.

um era um lançamento de um foguete
o outro era seu sorriso

e um estranho eco inaudivel
de gritos
e injustiça

10 de mai. de 2009

Transformação

Havia um homem, cujo nome não me lembro, que falava pelos cotovelos. Era bem apessoado, cuidadoso e por mais que as pessoas não quisessem enxergar, era preconceituoso. Este homem odiava quem cometesse a infidelidade. Falava muito sobre a infidelidade e condenava-a em público. Odiava o traidor e seu cúmplice e compadecia pelo traído. Um belo dia... ou melhor, uma bela noite... a lua estava cheia e transbordando mistério e sensualidade. Seu corpo atraía as pessoas. Atraiu uma mulher. Ela era casada, e ele um solitário. Não resistiram um ao outro e se entregaram.

- Você é o que odeia -

Max era uma pessoa normal. Sim. Normal. Não há muito o que se dizer sobre ele... Apenas que ele amava as arvores. Defendia toda a natureza. Brigava com seus pais e irmãos quando estes não mostravam o devido respeito à natureza. No trabalho os outros zombavam-lhe por ser tão "verde". Amava a natureza. Adorava passar seus dias no parque sentado, pensando, sentindo e respirando a natureza ao seu redor. As arvores lhe comunicavam algo... que ele considerava superior. Ele ficou dias a fio no parque. Esqueceu de sua família, de sua casa e de suas obrigações. Vivia naquele parque... e não tinha intenção de o abandonar. Mais tarde, Max ficou conhecido como o velho do parque.

- Você é o que ama -

Julia é uma menina tímida, carente e um pouco nervosa. Explodia em nervosismo quando sua timidez e carencia tomavam conta de seu ser. Tinha medo do escuro. Ansiava por alguém que lhe mostrasse que ela não precisava ser tímida para com ele, que suprisse sua carencia e assim lhe acalmasse os nervos.
Um dia um menino lhe veio a dizer que a amava. Ela não soube responder nada adequado ao menino. Ela também o amava, mas disse algo como: "Sai de mim!", e o menino saiu.

- Você é o que teme -

Rodrigo recém havia terminado a faculdade. Se formou em agronomia e queria ser o maior da sua área. No dia de sua formatura teve um momento de inspiração e tatuou em sua cabeça que ele seria o melhor agronomo que já existiu. Assim feito, Rodrigo é o melhor agronomo que já existiu.

- Você é o que pensa -

O primeiro homem, cujo nome ninguém se lembra, nem mesmo aquela mulher que o amou naquela noite, não sentiu culpa alguma ao estar com ela... e a amou naquele momento. Se estranhou, riu de si mesmo e se sentiu vivo. Compadeceu por ele e por ela. Se alegrou por eles dois. E pelo marido também. A mudança estava a se manifestar... E ele se entendeu como apenas um veículo disso tudo. Max segue no parque... Se sente parte da natureza e passa seus dias com um deliciamento de estar vivo inigualável. Os outros apenas o vêem como vêem a natureza: uma parte da paisagem. Algo que está lá, totalmente estranho a eles. Julia voltou à sua casa, triste e deprimida - nervosa... e culpou o menino por se declarar daquele jeito à ela. Que desgraça! Era noite e sentiu medo do escuro que estava à sua espreita. Sentiu como se ela já não tinha nada a perder, com coragem apagou a luz e se entregou à escuridão... E percebeu que não havia nada tão escuro quanto ela nessa escuridão... e foi nesse momento em que sua luz acendeu. Rodrigo conquistou a estima de todo o mundo academico da agronomia. Reconhecido em todo o mundo, era tido como um dos maiores. Ele viveu para a agronomia, escreveu livros sobre a agronomia e lecionou nos ultimos anos de sua vida. Morreu para a agronomia. Contente e satisfeito.

- Você é.

A transformação se desvela como mera ilusão.

23 de abr. de 2009

louva deus

por esse momento
de extase frente à morte
eu morreria mil vezes
e renasceria mil e uma
para morrer
entre as pernas de uma viuva negra

26 de mar. de 2009

Conto a um amigo

Uma música estranha estava no ar. O volume era baixo. Também a qualidade. Estranha. Parecia familiar e conhecida há muitos anos. O movimento vertical se deteve e de repente em minha cabeça a canção se tornou viva e o volume, alto - perfeita e familiar. Dois blocos de metal se separaram diante de mim. A porta se abriu junto a um apito incômodo porém suave. Entre pedidos de licenças e desculpas eu saio daquele cubículo terrivelmente pequeno, apertado e abafado com um cheiro de morte. Não de podridão, mas de morte.
Me encontro no meio de um corredor, com os sentidos aturdidos pela estranha atmosfera que me envolvia... Vejo uma mesa e uma mulher sentada atrás dela, vestida de azul (não sei porque pensei que ia ser de branco) com o cabelo amarrado para trás colocando em evidencia seu rosto não muito bonito e seus lábios com um batom vermelho exagerado. Cadê o bom gosto? A maquiagem deixa a mulher tão feia, desnatural... estranha. Espero ela desligar o telefone: "Oi, tô procurando o quarto 124... Onde é?"
- No fundo do corredor à direita.
- Obrigado.
Dou um leve sorriso e me ponho a caminho na direção que ela me deu. Chego em frente à porta e abro-a batendo duas vezes de leve.

"Entra" disse a voz lá de dentro, um pouco fraca. Era uma voz familiar, gostosa e calorosa. Sei que a voz, o som, não tem essas propriedades em si... mas era como me fazia sentir. As atmosferas se misturam. Morte e afeto.
Que combinação estranha...

"Aron?" perguntou a voz... "Eu" andei o pequeno corredor que dava à cama e vi meu querido amigo deitado ali. Pálido, magro e com olheiras enormes... Porém não consegui deixar de sorrir ao vê-lo. Ele também sorriu ao me ver. Até ganhou um pouco de cor... o que me deixou mais contente, também. Ele desceu um pouco os lençóis e abriu os braços para me receber, querendo um abraço. Abraço-o fortemente... Sinto seu coração perto do meu. Por um momento se tocam. É Bom. Sinto vida nele. Meu sorriso agora é imenso... Estranho.
Ele está sozinho. Ué, cadê a família dele? Os irmãos? Mãe? Pai? Amigos?.. Namorada?
Eles poderiam ter estado aqui ontem... Porque me importa isso? Ele percebe meu olhar perdido ao quarto e com isso os meus pensamentos também. Ele sorri lentamente, talvez porque ainda me conheça... mas não diz nada.

Busco uma cadeira e me sento ao seu lado. Ele levanta a parte de cima da cama com um controle remoto. Cansado. Mas faz um esforço pra conversar comigo... Me sinto lisonjeado. Honrado até.

- E aí... Quê cê me conta?
- Putz... Nada.
- Como assim nada? Conta algo!
- Ah... Tá tudo bem... Terminei o namoro faz pouco... Minha mãe vai se mudar... Meu irmão se mudou, tá com uma casa nova... Meu outro irmão tá ainda em Londres... Meu pai e minha madrasta acho que tão bem... Tá tudo bem.

Sorri um sorriso bondoso, imagino eu.
Ele sorriu de volta, com uma expressão de compreensão... e diversão. Se aproximou um pouco de mim, levantando-se ligeiramente de sua cama.

- Amigo... Sabe o quanto eu senti sua falta? Muita. Muita mesmo...

Ele se encostou na cama e até deitou um pouco a parte superior dela com o controle.
Fiquei pensativo um pouco. Ele fechou os olhos e respirava lentamente... Eu olhava pra ele com uma admiração profunda, porém incompreendida.

- Quero saber de Você, Aron. Me conta...

De novo, me sinto lisonjeado... Pensei. Não conseguia olhar pra ele. Ou para qualquer lugar. Minha mirada estava perdida. Quis encontrar o que contar, sem todas essas coisas superficiais, mas não consegui. Me odeio por isso. Queria me encontrar e falar tudo, como antes. Mas nada vinha. Meu amigo, me perdoe.

- É difícil, eu sei. Queria saber de você. Como antes. Era bom. E você sempre tinha uma facilidade incrível pra essas coisas... Queria escutar novamente alguém se abrir pra mim. Eu admiro muito isso em você. Todos os dias as pessoas entram nesse quarto, com toda a pena do mundo e me perguntam como eu estou. Me pedem para que conte algo. Mas não consigo. Eu sei como você se sente... Eu olho pro mesmo ponto vazio que você. É triste. Queria escutar um pouco de felicidade. De verdade. Você entrou aqui e não me perguntou nada. Não sei se não te interesso o suficiente ou se você consegue ler meus olhos, assim como leio os teus. Mas você não me olhou com pena... Então vou acreditar na segunda opção. Ninguém consegue me dizer nada. Pergunto pras pessoas alguma coisa, qualquer coisa, e elas respondem com uma voz estranha, de pena, com falsa bondade. É muito estranho... E só me dizem coisas do tipo que você acabou de me dizer. É tão podre. Queria conhecer mais essas pessoas que amo tanto... mas tenho que me contentar com os olhares. O carinho, o afeto... os abraços. Não que seja ruim... Amo isso, você sabe. Mas eu queria mais. Preciso de mais.

Tão estranho alguém ser tão aberto com você desse jeito. Com essas palavras. Que coisa... Não resta nada a não ser escutar. É gostoso... e dá medo.

Destruo toda a fortaleza que construi nos últimos meses para me fazer uma pessoa "forte".

- Tá bom... Te conto.

Seu rosto se acendeu. Seus olhos se abriram e suas bochechas subiram com a abertura de um sorriso.



Era noite e me sentei em um banquinho de cimento, debaixo de uma árvore, a três quadras dali. Quando sai do quarto ele já dormia. Eu também adormeci... Todavia estou meio lerdo.
Penso nele. Na família dele. Nos amigos. Na namorada dele. Penso neles porque me sentia culpado de me sentir feliz em um momento desses. A culpa tinha que ser transferida... mas ele a dissolveu. E a "força" que se precisa para viver nesse "mundo duro e cruel"... é tão ridícula. Penso se aquela música foi coincidência. Se tudo o que me aconteceu nos últimos meses foram apenas um pano de fundo para o que aconteceu agora. É tudo tão bem construído que me assusta. É tudo tão estranho... "Rebirth" em um hospital é sacanagem. Hahahahaha.

A árvore me escutou, e porque não, o banquinho também... Se você quer saber, acho que eles riram juntos comigo.

E é verdade. Nunca senti pena por ele. Mas sei que vou sentir sua falta.
e seremos só boas memórias...
Um eco caloroso..
Só saudade.

25 de fev. de 2009

hoje

hoje
acordei de um sono profundo

percebi que uma tempestade
passou enquanto eu dormia

eu dormi diante de muitas coisas
importantes

meu pai a separar
minha madrasta a chorar

só hoje acordei
e senti algo

antes me diziam no ouvido
e eu continuava a sonhar

um pesadelo ridiculo
girando em torno de algo
nao tao importante...

e eu dormi mais e mais

minha mae se vai
e com ela nossa casa
nosso lar

e eu nao escutava...

meu irmão se foi
e com ele uma nova casa
um novo lar

e eu nao estava la...

meu irmão é pobre
e passa fome

e eu durmo... durmo...

todos riem
sorriem
deve ser
o que deve ser feito

e eu durmia...

hoje acordei
finalmente

lagrimas vieram aos meus olhos
e me despertaram.