22 de ago. de 2009

Buraco negro

- Não, filho! Não quero que você volte a falar nisso. E muito menos ao médico!
- Mas mãe! É a verdade! Você tem que acreditar em mim! Não estou inventando nem mentindo!
Os olhos de Lúcia já estavam lacrimejando. Nessa época de sua vida já não suportava levantar a voz ao seu filho. Outrora isso lhe causava apenas irritação, e certas vezes prazer, sensação de poder. Agora lhe causava terrível angustia. Ela fechou os olhos se contendo, e falou calmamente.
- Gabriel... Filho... É a sua condição. Você tem que entender. Não podemos deixar que o médico te ache louco... Já é um milagre estarmos aqui. Não podemos correr esse risco, filho.
- Mas mãe... Te digo a verdade...
- Filho... Por favor, não.
Gabriel calou. Olhou para fora da janela e fechou os olhos, cansado.
Lúcia inspirou pesadamente o ar, querendo chorar, e soltou-o, lembrando das coisas para fazer como dobrar as roupas de Gabriel, arrumar o banheiro com coisas do seu filho e agradecer as enfermeiras pelo carinho e cuidado para com seu filho. Ela fez todas essas coisas e ficou no corredor, fora do quarto, sem saber o que pensar ou fazer. Não conseguia confrontar seu filho. Não conseguia. Sentou-se na cadeira ao lado da porta e olhou por minutos a fio o chão do corredor. Sentia o cheiro de cloro no chão, um produto de limpeza tão forte que a fez esquecer de tudo. Pensava agora na sua infância... e como sua mãe cuidou dela uma vez que teve pneumonia. Sorriu, nostálgica, e baixou a cabeça, pensativa. Dormiu.
Gabriel estava deitado em seu leito, esperando sua mãe voltar.
Entrou no quarto seu médico, Doutor Mariano.
- E como estamos nos sentindo hoje, Gabriel?
- Bem...
- E a mamãe cadê?
- Saiu pra fazer algo mas não voltou. Não sei.
- Hm...
- Doutor...
- Me chama de Mariano, Gabriel... É assim que meus amigos me chamam.
- Tá... Mariano... Queria lhe falar algo... Mas minha mãe não deixa.
- Porque ela não deixa? Aconteceu algo?
- Não... Ela acha que eu to mentindo, e aí fica brava comigo...
- Mas... Porque?
- Bom. Sabe minha condição?
Mariano assentiu com a cabeça, com os olhos fixos nos de Gabriel.
- Então. Não é uma doença. É algo normal. Natural. É um buraco negro que tenho dentro da minha cabeça.
Mariano olhou perplexo à Gabriel...
- Então é isso... Pode achar que estou louco ou mentindo. Mas é isso. É isso que eu queria lhe falar.
Mariano abriu a boca para falar alguma coisa mas saiu apenas um "a" curto de sua boca e levantou e saiu do quarto. Mariano passou diretamente por Lúcia, que seguia dormindo e pegou o elevador para o último andar. Entrou na sala de Pesquisa Avançada e viu 5 de seus colegas médicos ao redor de uma mesa de luz, com fotos de raio-x e de tomografias em cima. Todos olhando curiosamente as fotos e soltando comentários como: "Oh, nunca vi coisa igual". Ora, as fotos eram do cérebro de Gabriel. Mariano ficou parado atônito ao pé da porta. Um médico percebeu sua presença e olhou para ele, logo todos fizeram o mesmo.
- Que foi, Doutor?
- Vocês têm que vir comigo.

Lúcia despertou de seu profundo sono. Apercebeu-se no corredor, com uma luz distinta entrando pela janela do corredor. Onde ela estaria? Por quais mundos viajou nessas horas? Nem ela sabia direito. Sabia que estivera em algum lugar, com seu filho, sua mãe e emoções confusas, diferentes e misturadas. Passou a mão no rosto, querendo alguma reação de seus olhos cansados. Escutou vozes vindo do quarto de seu filho e olhou para dentro. Havia cinco médicos de aventais branco ao redor da cama de Gabriel. Conversavam entre si. Lúcia entrou no quarto, com cautela, esperando o pior ao ver a cama de seu filho. Mas estava tudo bem. Mariano estava sentado ao pé da cama. Lúcia, curiosa, sentiu que não devia intrometer-se e sentou-se em uma cadeira atrás deles a observar os médicos e seu filho.
- Gabriel, estes são meus colegas. São eles os responsáveis por saber direito qual sua condição. Agora... Repita o que você me disse momentos atrás... Por favor.
- Tem certeza? Eles não vão me achar louco?
Lúcia olhou friamente à Gabriel. Mas no fundo queria saber a reação dos demais. Gabriel olhou para ela e ela assentiu calmamente com a cabeça.
- Não Gabriel, você não está louco... Pode contar. Eles são amigos também.
- Tá...
Gabriel buscou um pouco de coragem e confiança para falar para mais de uma pessoa.
- É assim... Sabe o que eu tenho na minha cabeça? Que vocês não conseguem achar? É um buraco negro. Não é uma doença. Não é nada anormal para ser curado. É um buraco negro comum. Iguais aos que existem aos milhares no universo. Só que ele nasceu dentro de mim.
Todos ficaram pasmos e atônitos. Olharam um para o outro. Lúcia também olhava para o rosto deles e buscava qualquer opinião parecida com a sua nos rostos dos demais, mas não encontrava. Logo olhou para Gabriel, e este a mirava tranquilamente, um olhar cheio de paz e calma. Mariano estava de algum modo feliz, olhando as reações dos seus colegas, mas ainda igualmente surpreso. Voltou-se a Gabriel.
- Gabriel, e como é que você sabe disso?
- Ele fala comigo.
- Fala?
- Fala não. Eu sinto ele. É como se ele falasse comigo.
- E o que você sente? O que ele fala?
- Fala pra eu não ter medo. Que é assim que deve ser. Que assim é.
Todos olhavam a Gabriel silenciosamente. Lúcia rompeu o silêncio pedindo que alguém lhe explicasse algo. Mariano a levou de lado e lhe explicou que o que acontecia com o cérebro de Gabriel nunca ninguém no mundo havia visto algo igual. De início pensaram que era um tumor comum mas não é. As células não estão morrendo e sim desaparecendo. Parece que são sugadas para um nada. Por isso que todos ficaram perplexos com o caso de Gabriel e agora que ele nos contou isso... Faz muito sentido com o que temos. É incrível.

Gabriel morreu dias após revelar seu segredo. Mais tarde descobriram que as células não desapareciam e sim morriam e se encolhiam a tal ponto que não era possível enxergar na época. Era um tumor raro, mas ainda assim, um tumor.

Lúcia enterrou seu filho a uns lotes de onde sua mãe fora enterrada. De repente lembrou-se do sonho que teve naquele dia, no corredor: Era um dia no campo, estranho, ensolarado e sem vento. Gabriel era ainda um bebê e Lúcia uma jovem mãe. Gabriel estava em uma cesta de frutas rindo de sua mãe e das cócegas que o vime lhe causava. A mãe de Lúcia também era jovem. Tinha a idade de Lúcia. Eram grandes amigas, então. Enquanto Gabriel ria e brincava com sua avó, Lúcia se encontrava ao lado, frente a um estranho tanque de dois ralos, lavando as roupas de sua mãe e de Gabriel.

2 comentários:

  1. É muito gostoso te ler, Aron. As narrativas são contadas com serenidade, e eu sempre fico satisfeito com o andamento, com a quantidade de personagens e o foco acurado, e com os quebra-cabeças. É muito gostoso.

    O fim ainda me é um precipício. Vou digerindo...

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  2. EU AMO SEUS CONTOS, ARON AGUIAR.

    Muito Obrigada, mesmo.

    Beijos no coração.

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